A presença estadunidense nos anos de Revolução e Ditadura Chilena.
Por Sthefaniy Henriques*
‘‘No’’ é um drama histórico de 2012 dirigido pelo diretor chileno Pablo Larraín. Baseado em uma peça chamada ‘‘El Plebiscito’’ de Antonio Skármeta, No retrata os momentos finais do período mais conturbado da história contemporânea do Chile: A ditadura militar de Pinochet e o seu momento decisivo, o Plebiscito de 1988. O que pode não ser conhecido, é que os Estados Unidos têm participação ativa em ambos momentos.
A Derrocada de Salvador Allende e influência dos Estados Unidos
Em 1970, Salvador Allende foi eleito democraticamente como Presidente do Chile. Eleito, Allende tinha como principal objetivo liderar o seu país pela via chilena, esta que era um caminho para o socialismo democrático e seria feita através de uma revolução que ele chamou como revolução vinda de cima.
O governo de Allende, além de tentar resolver uma crise econômica herdada do governo anterior, buscou estratégias que o historiador Peter Winn definiu como simpáticas às elites tanto econômicas (bancárias) quanto políticas do Chile. Esse era o primeiro passo para o governo conseguir um pouco mais de estabilidade no poder e planejar seus próximos passos, como a revolução agrária e a recuperação de riquezas básicas do país. Os mesmos bancários que Allende tratou de acalmar nos primeiros meses de governo também eram um alvo da revolução ‘’vinda de cima’’, pois Allende buscava a nacionalização das principais instituições e industrias privadas do país.
É claro que o ”Fantasma do Socialismo/Comunismo’’ no Continente Americano não iria perdurar por muito tempo, afinal, os Estados Unidos jamais permitiria outra Cuba em sua grande zona de influência, principalmente quando um dos primeiros atos de Allende é nacionalizar uma mina de cobre que era pertencente aos ianques. Por debaixo dos panos, os Estados Unidos, durante o governo Nixon, iniciaram uma guerra secreta contra o governo de Allende, segundo Winn, para reverter o avanço revolucionário e o impulso político do presidente.
O governo de Richard Nixon promoveu um ‘‘embargo invisível’’ destinado a desestabilizar a democracia no Chile e se uniu em uma operação secreta com os militares chinelos para pôr fim à neutralidade constitucional e promover um golpe. Com os conspiradores militares em ação e já com parte do Chile tomado, o golpe teve início com a marinha no dia 11 de setembro de 1973, instaurando, assim, a ditadura militar no país. Embora as Forças Armadas jurassem lealdade ao Allende, assim como Allende era fiel às suas forças armadas, Pinochet, segundo o historiador Luis Ayerbe, um general pouco conhecido, subiu ao poder. Em 1980, o ditador promulgou uma Constituição autoritária, algo que o historiador Winn chamou de ‘‘democracia protegida’’, tutelada.
O trabalho da Mídia em NO e a ajuda estadunidense.
Com todas as mudanças civis que ocorreram nos Estados Unidos durante os anos 70, o discurso estadunidense foi mudado, entre 1977 e 1978 o até então presidente Jimmy Carter enfatizava os direitos humanos. No ano seguinte às declarações do presidente, as novas leis trabalhistas de Pinochet não agradavam os trabalhadores , afinal, o ‘‘sucesso econômico” de Pinochet não agregou a maioria da população, o que gerou diversas turbulências e protestos que, muitas vezes, terminavam em violência.
Agora, finalmente chegando ao período histórico do filme de Larraín, acompanhamos Gael García Bernal que interpreta René Saavedra, personagem fictício que, na verdade, é Eugenio Garcia, publicitário responsável pelo slogan «Chile, la alegría ya viene» que mudou a história do Chile. A proposta central de Larraín, ao permitir espaço para Gael García brilhar, é indicar o quanto a mídia foi essencial para que as pessoas saíssem de cima do muro, contestasse a ditadura de Pinochet e superassem as amarras do medo. Devemos relembrar aqui que um dos principais motivos para René Saavedra aceitar o trabalho é a certeza que os estadunidenses desejavam a queda de Pinochet, por isso seria diferente, havia esperança para tentar.
O destacado no filme é a criação da marca NO, da promessa e da venda de uma democracia tal qual a venda de um refrigerante. Esses 15 minutos de propaganda só foram possíveis pela articulação do governo estadunidense para conseguir que ambos concorrentes tivessem minutagem igual e pudessem transmitir o que quisessem, ou seja, para o NO, significaria uma propaganda sem censura. A ideia, inicialmente, não fora aceita por comunistas e socialistas, pois lançar um plebiscito significaria legitimar o governo de Pinochet. Essa contestação dos comunistas é representada através de Verónica Carvajal, a mulher no qual René possui um relacionamento. Os partidos mais à esquerda desejavam remover Pinochet de outra forma, mas a pressão dos Estados Unidos contra o governo de Pinochet e a convicta confiança do ditador de ganhar o Plebiscito para se fortalecer diante dos Estados Unidos, foi a melhor opção para os chilenos.
A influência não para por aí, no local de reunião e gravação de NO, os computadores que vemos foram enviados pelo governo estadunidense, assim como os repórteres da imprensa internacional que foram citados no momento do apagão. Além da propaganda, tais computações detinham função para que o NO controlasse a quantidade de votos e, assim, caso Pinochet não quisesse sair do poder, a oposição teria provas para recorrer. Os repórteres também eram propositais, mesmo se Pinochet não confiasse apenas no apagão para perda dos registros, os repórteres asseguravam que não haveria extrema violência ou morte, pois deixaria margens para os Estados Unidos intervir de outras formas como militarmente. Pinochet, como visto, não tinha muitas opções a não ser aceitar sua derrota.
Os Estados Unidos articularam para ter o NO e o povo chileno conquistou sua liberdade. Entretanto, os Estados Unidos foi o mesmo que influenciou e abriu espaços para Pinochet tomar o poder. Segundo Ayerbe, uma vez acusados de promover o golpe militar de Pinochet, os Estados Unidos negou e alegou que suas ações se limitavam ao embargo para impedir a reeleição de Allende, Pinochet foi apenas um acidente nesse percurso.
Os americanos queriam o NO, e queriam o NO para resolver um problema que, intencionalmente ou não, eles corroboraram. O filme de Pablo Larraín, nesse ponto, vai além da reflexão de como a mídia pode influenciar em eleições, promovendo um início de uma discussão de geopolítica e influência ianque nos países do continente americano.
Filme disponível no TeleCine
*Estudante de História pela Universidade Federal Fluminense e aspirante a crítica de cinema. Por meio da página E O Cinema Levou (@eocinemalevou) no Instagram, discute a relação da História com o Cinema a partir de filmes.