Por Sthefaniy Henriques*
É incomodante como nos últimos anos filmes de terror com propostas diferentes estão possuindo recepções divisivas, justamente por possuírem propostas que fogem às regras. Para uma parte da crítica, filmes com abordagens mais diferentes não são ruins por sua condução, por decisões do diretor (a), mas por tentarem se diferenciar. Isso mal envolve o fato de não sustentarem esse frescor narrativo que propõem, mas simplesmente o fato de simplesmente tentarem se distinguir.
Em alguns casos, eu fico perto de me aproximar da mesma opinião, mas sempre tento ter em mente que o erro não está em tentar algo inovador. Assim, sempre penso que é preciso avaliar como o filme pode falhar em fazer isso, considerando, principalmente, os prós e contras de sua tentativa, ao invés de simplesmente arrasá-los por completo. Eu, por exemplo, detesto Sorria e também não gosto de Fale Comigo. Sorria devido a ser, basicamente, uma cópia de O Chamado mesclado com Maligno e Corrente do Mal. Já Fale Comigo, eu não gosto por algo que não envolve ‘‘a proposta inovadora’’, mas pela direção estar visivelmente perdida em tratar de muita coisa em um filme tão curto. Mesmo que eu detesta tais filmes, eu adoro Noites Brutais e Maligno, produções recentes que possuem pontos em comum com ambas as películas que citei anteriormente e que, na minha opinião, lidam muito melhor com suas propostas.
Enfim, o que tento dizer, dando esses exemplos, é que não devemos avaliar tais filmes ‘‘inovadores’’ por tentarem ser realmente inovadores, diferentes. Isso é desencorajar o cinema de horror a entrar em uma nova fase, onde haverá erros (como Sorria), mas também acertos (como Noites Brutais). Mais do que isso, é necessário tentar o exercício de não descartá-los por simplesmente fazerem parte de uma nova tendência, uma nova fase. Imagina detestar vários filmes da Nova Hollywood por eles tentarem ir contra a tendência da Era de Ouro de Hollywood. Ou odiar o Cinema Novo Brasileiro pelas suas características que mudaram a forma de se fazer cinema no Brasil por longos anos. O que devemos fazer, em minha humilde opinião, é encarar as suas propostas e ver como elas se desenvolvem dentro da própria particularidade do filme, afinal, mesmo que o filme vá buscar referências antigas ou se encaixar em tendências atuais, ele ainda existe sozinho em seu próprio universo.
Dito isso, Entrevista com Demônio é facilmente um resultado da tendência atual (entre erros e acertos) do terror. Eu, por exemplo, não consigo enxergar um filme found footage como esse sendo feito, ou melhor, sendo distribuído como atualmente, na década de 2000 ou 2010. Até porque Entrevista com o Demônio não é simplesmente um found footage, como REC, como a Bruxa de Blair ou Atividade Paranormal. O filme tem um desenvolvimento que é muito mais formalista e que, por obrigação, também precisa ser frontal.
Na história, Jack DelRoy, um apresentador de um programa de televisão dos anos 70, está desesperado por audiência. Após anos de trabalho durante o horário da meia-noite, ele simplesmente não consegue atingir o maior ibope, mesmo frequentando uma seita, mesmo convidando sua esposa com câncer terminal para o programa. Assim, em 1977, para o programa de Halloween, DelRoy tem uma ideia: Ele fará um episódio que reunirá um médium, um cético e uma parapsicóloga com a jovem que vem estudando, esta última que é uma sobrevivente do suicidio em massa da Igreja Satã. Apesar dos esforços, o que Delroy esperava que fosse um show de contradição e polêmica devido ao grupo seletivo que escolheu a dedo, se tornou um verdadeiro show de horrores.
Dado o caso, Entrevista com o Demônio vai investir em uma proposta onde estamos assistindo, sobretudo, as filmagem do programa original, porém com vários momentos para um intervalo que funciona como uma contextualização. Assim, escapamos das filmagens e, com a coloração preta e branca, vemos os bastidores, as conversas e recebemos notícias que nunca são agradáveis.
Por mais que esses desvios interrompam a proposta original, que é a gravação do programa, eles ainda vão funcionar de maneira muito eficiente, pois ainda tratam-se de found footage. Os intervalos são capturados como se as câmeras presentes estivessem registrando. Já nos bastidores, os personagens são capturados como se fosse um documentário, como se houvesse um cameraman andando por lá com uma câmera em seu ombro. Assim, Entrevista com o Demônio consegue manter uma atmosfera de tensão muito eficiente, que nunca sai de sua proposta, afinal, a ideia do found footage se mantém de pé.
Uma vez que existe esse formalismo, o desafio de Cameron e Colin Cairnes se torna como conseguir fazer esse filme funcionar devido a sua proposta tão limitada e em um período de tempo muito longo. Acredite, uma hora e vinte para um filme que se passa em apenas um cenário envolve inúmeros desafios e o principal dele é justamente como manter o espectador ali. O que um filme pode fazer para que as atenções estejam na tela? Para que nunca percam o espectador? Assim, os Cairnes optam por algo velho, mas muito eficiente (comprovado pela própria longevidade do recurso): os grandes momentos de tensão que vem em seguida a uma sequência onde ‘‘nada está acontecendo’’. Os Cairnes, assim como Alfred Hitchcock em Festim Diabólico ou James Wan em Jogos Mortais, investem em longos diálogos antes de uma sequência tensa romper com aparente equilíbrio/tentativa de reequilibração.
Portanto, se você vai na ansiedade de ver muitas coisas ao mesmo tempo, não é isso que encontrará, afinal, a própria formalidade da televisão cria uma regra para que as coisas não fujam do controle até que tudo se torne verdadeiramente insustentável. Assim, Entrevista com o Demônio vai funcionar como um found footage mais falado ao invés de um found footage que está constantemente apresentando oportunidades para um terror mais visual. Porém, quando é necessário abraçar esse horror e o gore mais explícito, ele fará de maneira mais frontal, não negará esse horror gerado através da imagem.
No entanto, nem tudo de Entrevista com o Demônio funciona. Eu, por exemplo, não acredito que o final mais psicológico faça jus a tudo que tenha sido apresentado ao longo do filme. Me parece que o desfecho foi feito a partir de uma indecisão. Em minha opinião, era super possível um final como os de Evil Dead, mas, por algum motivo, os Cairnes fizeram uma escolha terrível. A escolha, é claro, não compromete todo o filme, mas deixa a sensação de que a produção poderia ser muito melhor.
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*Formada em História pela Universidade Federal Fluminense e crítica de cinema. Por meio da página E O Cinema Levou (@eocinemalevou) no Instagram, discute a relação da História com o Cinema a partir de filmes.