A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM (1967)

Por Felipe de Souza*

No início dos anos 2000, tive meu primeiro contato com o filme “A Primeira Noite de um Homem”, a comédia romântica dirigida por Mike Nichols e lançada em 1967, uma obra fundamental para entender o movimento da Nova Hollywood. Mesmo gostando, à primeira vista, não entendi plenamente sua importância histórica e cultural, mas agora, com uma compreensão mais profunda, posso apreciar seu legado no cinema norte-americano.

O filme narra a história de Benjamin Braddock (Dustin Hoffman), um jovem recém-formado que retorna à casa dos pais, sentindo-se perdido e indeciso sobre seu futuro. Sua vida toma um rumo inesperado quando ele se envolve em um caso com Mrs. Robinson (Anne Bancroft), a esposa do sócio de seu pai. Esse relacionamento clandestino rapidamente se complica quando Benjamin se apaixona por Elaine (Katharine Ross), a filha de Mrs. Robinson.

“A Primeira Noite de um Homem” não é apenas um relato de um triângulo amoroso; ele capta as ansiedades e transformações da sociedade estadunidense da década de 1960. A sociedade estava em meio a uma revolução cultural, onde os jovens questionavam os valores e normas estabelecidos por suas gerações anteriores. Benjamin Braddock representa essa juventude inquieta que, apesar de ter seguido o caminho esperado de sucesso acadêmico, sente um profundo vazio existencial.

O filme é um marco da Nova Hollywood, um movimento caracterizado por uma abordagem mais ousada e experimental, tanto em termos estéticos quanto narrativos. A Nova Hollywood foi influenciada pelo cinema europeu, especialmente pela Nouvelle Vague francesa, que desafiava as convenções tradicionais de narrativa e estilo. Nichols, junto com outros diretores como Arthur Penn, Hal Ashby, Brian De Palma, William Friedkin e Martin Scorsese, ajudou a redefinir o cinema americano, trazendo temas adultos, realismo e complexidade moral ao mainstream. Contudo, é sempre injusto tratar a Nova Hollywood como uma ruptura completa com o que era feito antes, pois cineastas como Elia Kazan, Nicholas Ray, Stanley Kubrick e Sidney Lumet, entre outros, já estavam experimentando novos elementos estéticos e narrativos.

A alienação é um tema central em “A Primeira Noite de um Homem”. Benjamin, recém-saído da universidade, encontra-se num estado de estagnação emocional e psicológica. Ele está desconectado das expectativas de seus pais e da sociedade, que lhe impõem uma trajetória de vida pré-determinada. O filme usa e abusa de enquadramentos para expressar essa sensação de sufocamento e desejo de fuga. A icônica cena debaixo d’água na piscina simboliza perfeitamente o estado emocional de Benjamin: isolado, pressionado e sem direção.

O relacionamento de Benjamin com Mrs. Robinson é igualmente complexo e revela a hipocrisia e o vazio das convenções burguesas. Mrs. Robinson, uma mulher mais velha e amiga da família, desafia as normas sociais ao ter um caso com Benjamin. Essa relação é carregada de tensão e exploração emocional, com Mrs. Robinson utilizando Benjamin para preencher seu próprio vazio existencial. A química entre Hoffman e Bancroft é palpável e essencial para o impacto emocional do filme. Ao longo dos anos, Mrs. Robinson se tornou uma das personagens mais intrigantes da obra, com sua profundidade e ambiguidade evitando estereótipos fáceis. Uma das cenas mais comoventes é a briga de Benjamin e Mrs. Robinson no quarto de hotel, onde Bancroft, em uma excelente interpretação, deixa escapar as fragilidades de sua personagem.

Benjamin Braddock simboliza a crise de identidade enfrentada por muitos jovens na década de 60. Ele está à deriva, sem um caminho claro, questionando os valores e expectativas da geração anterior. Essa crise de identidade é amplificada pelo conflito de gerações, um tema recorrente no cinema da Nova Hollywood, que se encontra em filmes como “Deixem-nos Viver”, do já citado Arthur Penn, ou “Procura Insaciável”, dirigido por Miloš Forman. A geração mais jovem buscava autenticidade e significado, enquanto a geração mais velha representava a conformidade e a estabilidade.

A relação de Benjamin com Elaine, a filha de Mrs. Robinson, adiciona outra camada de complexidade ao filme. Elaine é vista como uma figura de redenção, mas, infelizmente, o roteiro não desenvolve sua personagem com a mesma profundidade que Benjamin e Mrs. Robinson. Elaine é retratada como a menina bonita, sensível e romântica, o que limita seu papel na narrativa. Katharine Ross entrega uma performance eficiente, mas o filme deixa a desejar em termos de desenvolver motivações mais profundas para suas ações.

Mike Nichols utiliza uma variedade de técnicas visuais e narrativas inovadoras para a época. A cinematografia de Robert Surtees é notável, com ângulos de câmera criativos, uso de espelhos e reflexos, e enquadramentos que reforçam múltiplas sensações, como se sentir pressionado, isolado e confuso. A edição de Sam O’Steen também é crucial, especialmente na famosa sequência da festa de boas-vindas, que reforça o estado mental do protagonista com seus cortes secos. A trilha sonora de Simon & Garfunkel, com canções como “The Sound of Silence” e “Mrs. Robinson”, não só complementa a atmosfera do filme, mas também se tornou icônica, capturando a melancolia e a inquietação da época.

“A Primeira Noite de um Homem” foi um grande sucesso comercial e crítico, ganhando o Oscar de Melhor Direção para Mike Nichols. O filme ressoou profundamente com a geração mais jovem dos anos 60, tornando-se um símbolo de sua luta contra a conformidade e a busca por autenticidade. Além disso, lançou a carreira de Dustin Hoffman e solidificou Anne Bancroft como uma das grandes atrizes de seu tempo.

A última cena do filme é um dos momentos mais emblemáticos e analisados da história do cinema. Os sorrisos nos rostos de Benjamin e Elaine desaparecem, substituídos por expressões de incerteza e introspecção. Eles olham para a frente, mas não estão realmente vendo o que está à sua frente. Estão perdidos em seus próprios pensamentos, questionando o que acabaram de fazer e o que o futuro lhes reserva. O final deixa muitas perguntas sem resposta, refletindo sobre a natureza da juventude, os impulsos românticos e a incerteza do futuro. Ao não fornecer respostas claras, Nichols permite que os espectadores reflitam sobre as implicações das ações dos personagens, tornando o final da obra uma experiência cinematográfica profunda e prolongada.

“A Primeira Noite de um Homem” continua sendo relevante e poderoso décadas após seu lançamento. Sua abordagem inteligente e sensível aos temas universais de busca por identidade garantem seu lugar como um dos grandes filmes da história do cinema. A obra não apenas reflete seu tempo, mas também oferece insights atemporais sobre a condição humana, tornando-a uma experiência cinematográfica essencial. Ao contextualizar o filme na Nova Hollywood, compreendemos melhor sua importância e influência no cinema estadunidense e sua reverberação mundial.

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*Cinéfilo e Membro do Podcast Cinema em Movimento

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