Por Bento Perrone*
Colaboração Álvaro Nicotti e Mauro Machado
Levando em conta apenas o aspecto da hidráulica, projeto correto de drenagem de áreas urbanas e das características do solo e da topografia em Imbé, já fica claro que é um terreno muito difícil para que a drenagem através de canos de concreto funcione do modo correto. Afinal, vivemos em uma área com um índice pluviométrico alto, (quantidade e concentração de chuva), pelo fato de estarmos na beira do Atlântico e com uma Serra a poucos quilômetros da costa, o que causa muita precipitação de pico, com grande volume em pouco tempo.
Além disto, a topografia é exatamente plana, o que diminui a velocidade de drenagem, aumenta muito o nível do lençol freático até quase a superfície, e cria muito risco de alagamento. Para que um cano escoando água funcione, é preciso que haja uma velocidade de escoamento mínima, para que não permita a decantação de areia dentro deste, perda de capacidade de escoamento e entupimento. Isto depende de declividade, o que não temos.
Uma vez que não temos isto, ficamos obrigados a fazer periodicamente a limpeza dos canos, para que estes funcionem segundo o projeto atual de canalização das avenidas do centro de Imbé. As características do solo extremamente instável de areia potencializam muito esse problema. Teria que ser um projeto de tubulação com caixas de inspeção e limpeza muito próximos para que essa tubulação fosse dragada e limpa periodicamente. Isso não é a realidade que se encontra, e é muito caro. Imaginem o maquinário e as equipes necessárias pra fazer isso constantemente e dar conta da demanda sem que a rede colapse.
Não é uma solução boa pra Imbé. Nem tudo funciona igual em todo o local.
Existe o limite criado pelo nível do lençol freático (água no solo). Na nossa região ele varia ao longo do tempo, mas dificilmente está a mais de um metro e meio, e muitas vezes está a menos de um metro. Lembro que colocar canos a um nível abaixo do lençol é o mesmo que “afogar” eles. É botar fora a canalização. Isso implica um limite de declividade da tubulação e também um limite de diâmetro (tamanho do cano). Colocar um cano de um metro de diâmetro enterrado a 50 cm abaixo da superfície em uma área onde o lençol está a um metro de profundidade, é o mesmo que botar fora metade do cano (tanto do ponto de vista da capacidade quanto do custo de recurso público). Além do que implica em que no máximo do máximo, sem lixo, com manutenção em dia e num mundo ideal, esse cano faz só a metade da drenagem prevista no projeto.
Existem soluções melhores. Cano não é a única alternativa, embora esteja integrado na nossa cultura
Quanto a essas questões de preconceito paisagístico que temos com canais urbanos abertos, acho que é ignorância e preconceito somente. As pessoas acham que um canal aberto em Imbé é um “valo”, é esgoto sujo, é coisa de pobre favelado e abriga rato, barata e mosquito. Mas em Amsterdam é lindo, em Veneza é maravilhoso, no condomínio de rico em Xangri-lá é super chique.
A capacidade de drenagem (de qualquer natureza) está ligada a vazão que comporta, e, portanto, é uma relação da velocidade de escoamento (lembro que aqui será baixa devido a falta de declividade) com a seção transversal. Um canal aberto que ocupe o mesmo espaço de uma tubulação sempre terá uma seção maior, e por tanto maior capacidade de escoamento. Não é à toa que aqui na praia muitas ruas antigas nunca nem tiveram bueiros e tubulação de drenagem da chuva
Portanto, a canalização das avenidas centrais de Imbé, que atualmente estão sendo executadas pela administração municipal, não faz sentido do ponto de vista da hidráulico, nem do orçamento público, nem do controle de endemias e saúde ambiental, nem do paisagístico e turístico. Do ponto de vista ambiental, então, muito menos.
Um córrego cheio de vida
Um córrego aberto, quanto mais preservado e natural for, mais preservado o equilíbrio biológico das espécies. O natural num curso destes, raso e extenso, com água limpa, ainda que com carga de matéria orgânica, é que se tenha uma quantidade grande de vida tanto vegetal e animal, e ao mesmo tempo uma alta incidência de radiação solar, que controla a certo ponto a população de microrganismos e de animais pequenos, além de depurar muitos poluentes, toxinas, hormônios e afins.
isso é uma barreira para eutrofização, assim como a superfície grande e aberta para troca de oxigênio do ar para a água é determinante. Isso impede que, mesmo que tenha um pouco de esgoto cloacal e outras fontes poluentes, essa poluição chegue na praia, sendo assim depurada antes em presença de oxigênio e sem a criação de um ambiente anaeróbio que tende a ter muitas doenças nocivas ao homem e até comprometimento da balneabilidade.
Até nisso um canal aberto pode nos ajuda a entregar: um mar limpo e oxigenado.
Além disso, num ambiente mais preservado tem sim milhares de larvas de mosquito de vários tipos, ou milhões. Mas boa parte deles vira comida de quase qualquer outro bicho. Uma mísera libélula deve comer algumas centenas de mosquitos na sua fase de larva aquática. Para cada uma das libélulas que se vê voando por aí, pelo menos umas 10 viraram comida de outra coisa antes de criarem asas. Imagina o que dizer de quantos mosquitos a menos voando por aí significa com a existência de uma mísera traíra pequena na Alameda? É algo na casa de vários milhões.
Num cano fechado também tem reprodução de mosquito, mas não tem libélulas, baratas d’água, besourinhos, pequenos peixes e outros animas pra consumir esses ovos e larvas
O caso negativo de Camboriú: tudo o que não queremos para Imbé
O exemplo contrário é o de Camboriú. Tudo encanado, sem tratamento e despejado direto no mar. O resultado é que de dez pontos analisados nesse verão lá, todos estão impróprios para banho. E tem histórico de doenças de pele, necroses, água “potável” contaminada e comidas contaminadas com um onipresente “suquinho de cocô”. Tem até mais de um caso de amputação de gente que deitou na areia pra pegar sol e se contaminou com um tipo de bactéria comedora de carne resistente a antibióticos.
Os córregos de água do Imbé são espaços cheios de vida. Vamos preservá-los. E para preservar é preciso conhecer e cuidar. Um lugar cheio de vida é um lugar em que o ser humano se desenvolve sem impactar de forma significativa a convivência harmônica com os demais seres da natureza.
*Engenheiro ambiental membro do MOVLN e Grupo Comunitário Alameda