Desenvolvimento sustentável é um projeto necessário e nossas crianças merecem um lugar digno de se viver
Por Álvaro Nicotti*
Na calada da noite, uma multinacional canadense chamada AEGEA, dona da água do Rio Grande Sul, começou uma obra grandiosa no Litoral Norte do RS, com o aval da FEPAM (Fundação Estadual de Proteção Ambiental) e do MPF (Ministério Público Federal). Esta obra se resume a 9 KM de canos que conduzirão “esgoto tratado” dos municípios de Xangri-lá e Capão da Canoa até o rio Tramandaí, na região de Tramandaí e Imbé.
No entanto, o que era para ser algo discreto e, até certo ponto sigiloso, se tornou algo público e, quase que unanimemente, repudiada pela comunidade local. Mas por que?
Porque o esgoto tratado que a Aegea quer despejar na bacia do rio Tramandaí, pode comprometer todo sistema ecológico do manancial desta linda e sensível região do Litoral Norte, além de prejudicar comunidades que dela dependem diretamente como fonte de renda, como os pescadores, indígenas e quilombolas.
Além dos povos originários e comunidades de pescadores diretamente atingidos, outros setores da sociedade do Litoral se engajaram nesta insatisfação com a obra. A comunidade escolar, trabalhadores, construtores locais, lojistas, empresários, corretores. Afinal, quem quer comprar uma casa em um local onde a água tem potencial de ser contaminada por esgoto doméstico?
Contudo, a empresa em questão afirma que o efluente (assim denominado o esgoto tratado) terá 95% de água limpa. E é justamente esta afirmação que fez órgãos do estado a aprovarem esta obra. Entretanto, bem na época em que as obras se iniciaram, eis que surge um movimento nunca ainda formado em nossa região: o MOVLN- Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte Gaúcho- que propõe uma oposição ao modelo de desenvolvimento adotado no litoral gaúcho, conhecido também por “desenvolvimento do concreto”, com postura agressiva no âmbito de negócios. O MOVLN defende como melhor alternativa o movimento do desenvolvimento sustentável, que também busca o crescimento da região, mas com cuidado ao meio ambiente.
O MOV, com um Grupo de Trabalho Técnico composto por dezenas de professores, biólogos, advogados e pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento, elaborou um requerimento minucioso sobre os impactos que esta obra pode trazer ao conjunto de lagoas que a bacia do rio Tramandaí compõe. E os impactos não são poucos.
Foi então que uma audiência pública se fez necessário acontecer, especificamente no dia 14 de agosto, na câmara municipal de Imbé. Momento histórico para a região, onde tivemos não só a Câmara lotada, mas os entornos transbordando de pessoas interessadas em saber: afinal, esses 9 km de canos que querem construir para despejar esgoto em Tramandaí e em Imbé podem afetar nosso ecossistema? Podem comprometer a saúde da população? E, ainda, existe outra alternativa para o despejo deste esgoto?
Muitas destas respostas foram dadas nesta audiência, inclusive a proposta de se construir emissários submarinos para despejar em alto mar o esgoto tratado. E as respostas dadas nesta audiência, não agradaram quase ninguém. Foi então que um ato público, encabeçado pelo MOVLN e acompanhado por diversos setores da sociedade civil organizada no dia 31 de agosto, se tornou um dos maiores da história do litoral.
Desde a audiência até o presente momento, a obra já foi embargada e liberada logo em seguida pelo TJRS. A sociedade segue mobilizada questionando e exigindo a paralização da construção destes canos e que outra alternativa seja imposta.
O MOVLN segue fazendo questionamentos mais amplos e que dialogam com a proposta do movimento, que é a implementação de um projeto de desenvolvimento sustentável para toda e região do litoral.
Segunda a ANGEA, esta obra dos emissários irá destravar o litoral norte, uma alusão a necessidade de saneamento que a região precisa. Sendo assim, por que executar uma obra duvidosa quanto aos seus impactos, para beneficiar condomínios onde neles estão segundas residências de uma classe média alta veranista, e não fazer saneamento básico para milhares de moradores que residem no litoral em condições precárias, muitas vezes sem água e “gato luz”?
Ou ainda. Já que vão tratar a água destas regiões de Xangri-lá e Capão da Canoa, e a mesma empresa afirma que a água é limpa, por que não despejar este efluente nas lindas lagoas destes perfeitos e belos condomínios?
Seguimos o debate e na defesa do litoral norte gaúcho. Afinal, nossas crianças merecem um lugar digno de se viver e não podem carregar o fardo de salvar o mundo das nossas irresponsabilidades do presente.
*Professor da rede pública, mestre em dinâmicas regionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do MOVLN/RS