O ÚLTIMO EPISÓDIO

Coming of age à brasileira

Por Leonardo Lima*

 Nota: 8,0

O fazer cinematográfico no Brasil, nos últimos 10 anos, tem se caracterizado por uma pluralidade de técnicas, estéticas e narrativas que se constituem como um grande mosaico resultante da atuação de cineastas provenientes das mais variadas regiões do país. Em meio a esse panorama polifônico, a Filmes de Plástico, produtora oriunda da cidade de Contagem (MG), se destaca como uma dos epicentros da nossa práxis cinematográfica contemporânea. Seu protagonismo decorre não apenas da qualidade das obras que levam sua assinatura criativa, mas, sobretudo, da preocupação em estabelecer, de maneira consistente, um jeito particular de fazer cinema, tendo como inspiração o cotidiano e suas personagens, eivadas daquilo que podemos chamar de brasilidade (e mineiridade, por que não).

 O Último Episódio, longa dirigido por Maurílio Martins, dá continuidade a esse legado da Filmes de Plástico ao explorar elementos que se vinculam à nostalgia em relação a um passado recente – o início dos anos 1990 -, a partir das memórias de situações vividas pelo próprio diretor quando transitava da infância para a adolescência. Esse aspecto se constitui como um de seus trunfos junto ao público, uma vez que, no cinema brasileiro, são incomuns histórias que abordam o universo infanto-juvenil de uma perspectiva mais madura, ao mesmo tempo em que se preserva uma leveza lúdica no desenvolvimento narrativo.

 Morador do periférico bairro da Laguna, Erik (Matheus Sampaio) é um franzino e tímido garoto de 13 anos cuja descoberta do amor platônico se dá ao conhecer a esperta Sheila (Lara Silva). Para obter a atenção dela, valia tudo, inclusive afirmar que ele possuía uma fita com a gravação do mítico “último episódio” da animação Caverna do Dragão. Desse momento em diante, o filme se desenrola como uma gostosa aventura encabeçada pelo protagonista em apuros e seus inseparáveis amigos Cassinho (Daniel Victor) e Cristiane/Cristão (Tatiana Costa) – estes dois tentam ajudar Erik a transformar um blefe impulsivo numa jogada de mestre.

 Em meio a isso, a força dos vínculos comunitários, reafirmada cotidianamente e sem protocolos, torna-se um dos pontos positivos da encenação de O Último Episódio. Perspicaz, o diretor Maurílio Martins atribui a cada personagem, por mais minúscula que seja sua participação, a sua devida importância no torque da narrativa, de modo que ela se mostre relevante no conjunto de memórias que revelam o processo de amadurecimento de seu alter ego Erik. Temos, assim, uma obra cujo cerne dramático do coming of age em pauta está centrado, essencialmente, nos microarranjos responsáveis pela preponderância do coletivo frente ao individual. 

 Criado em torno de um plano que viabilizasse a materialização do episódio final de Caverna do Dragão, e, por conseguinte, das pretensões de Erik quanto ao primeiro beijo, o plot do longa se realiza por meio de uma teia de relações envolvendo aqueles três jovens amigos e os perrengues familiares e no âmbito da escola com os quais precisam lidar em paralelo. Aqui, a fita com o desfecho da história de Dungeons & Dragons se mostra como um elemento dinamizador da narrativa, e não um fim em si mesmo, escolha de roteiro esta que enriquece e potencializa a trama.

 O esmero na ambientação histórica salta aos olhos, sendo um fator decisivo para o êxito da imersão do público. Ver a eficiência disso em tela realmente é uma grande conquista da equipe de design de produção, uma vez que, ao contrário da espalhafatosa década anterior, os anos 1990 são mais difusos e heterogêneos em termos de identidade visual, espelhando, por assim dizer, o fenômeno da diversidade das tribos urbanas. 

 Celebratório às amizades que nos marcam e transformam a nossa existência, O Último Episódio traz consigo um tipo de personalidade fílmica própria àqueles projetos que têm algo a dizer para além do texto imediato. Seu subtexto é rico em memórias de um passado não distante, o qual ainda se reflete nas tantas histórias levadas aos cinemas por Maurílio Martins e pela Filmes de Plástico. Definitivamente, trata-se de um filme que ecoa como poucos a particularidade de ser de Contagem, das Minas Gerais e/ou do Brasil.

Título Original: O Último Episódio

 Direção: Maurílio Martins

 Ano de lançamento: 2025

 País: Brasil

 Duração: 112 minutos

 Disponibilidade: Cinemas

*Recifense, 40 anos, sociólogo. Antirracista, aliado do feminismo e das causas indígenas e queer, torcedor do Santa Cruz. Crítico de cinema, mantém no Instagram a página Cine Mulholland e um perfil no Letterboxd. Integrante do Podcast Cinema em Movimento e dos sites TemQueVer Cinema e Club do Filme.

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