A baleia

Por Álvaro Nicotti

Ao vermos o filme A baleia, do diretor Darren Aronofsky, poderíamos nos concentrar em discutir a excelente atuação de Brendan Fraser. Ou então trazer à tona a questão dos planos de saúde estadunidense que cada vez mais nos comprovam, por mais falho que seja, ser um privilégio ter um SUS (Sistema Único de Saúde). Também poderíamos dedicar este filme a debater questões de religião. A aceitação de Deus. A aceitação de Jesus Cristo. A imposição de uma visão espiritual de mundo. A imposição de um modelo de vida. O conservadorismo enraizado no povo ocidental branco.

Muitos se debruçariam, ainda, em discutir obesidade humana e saúde mental. A péssima alimentação do povo norte americano exportada para o mundo inteiro, combinada com a vida corrida e sem tempo, que acaba gerando transtornos e vidas cotidianas difíceis de relacionamento e convivência.

Mas não foi isso que mais me tocou no filme. Ou melhor, não foram essas questões o centro de debate da trama. O que de fato o filme passou, para mim, foi a vida de merda que quase todas as pessoas estão vivendo hoje em dia. Seja num campo de batalha, numa cidade cercada e bombardeada na Ásia ocidental, ou estudantes de uma faculdade online dos Estados Unidos- todos possuem vidas medíocres. Os primeiros, pelo simples fato do potencial destrutivo de uma espécie que ao mesmo tempo é medrosa, mas também tem um poder de fogo aniquilador nada comparado com qualquer outra espécie da natureza- Inclusive, Yuval Harari* nos diz que essa combinação de medo com poder letal de fogo é o maior perigo não só para nós, para para o planeta. Os últimos (os estudantes de uma faculdade online dos Estados Unidos) por fazerem parte de uma sociedade apressada, consumista, fútil, pálida, confusa, egoísta e narcisista.

Não é à toa que o filme traz uma filha adolescente que anda com remédios para dormir em sua bolsa; uma mãe que só consegue ter um momento feliz quando da um gole num trago; o pregador religioso que de religioso não tem nada; ou a enfermeira que, a princípio, é a mais equilibrada, mas depois já nos revela um problema familiar (grande por sinal). Sem falar no sujeito que tirou a sua própria vida.

Já a personagem principal sintetiza toda essa problemática num corpo: este representa tudo isso com a sua obesidade descomunal agregada numa ansiedade que, segundo especialista, já atinge um terço dos jovens brasileiros.

No entanto, ele tem bondade e sinceridade. E é justamente a sinceridade e a coragem de falar essa sinceridade para uma outra pessoa que pode, enfim, atenuar a vida de merda que a maioria das pessoas estão vivendo. Parando de inventar que estão tendo uma vida que não tem, aceitando a realidade. Enfim, dizendo para todos a vida desagradável que possuem.

Autor do livro Uma breve história da humanidade- Sapiens

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