A Garota da Vez (Crítica)

Por Sthefaniy Henriques*

Desde que a imprensa existe, histórias sobre assassinatos em série são consumidas. É possível dizer que Jack, o Estripador foi o primeiro serial killer a ser popularizado pela mídia, e desde então, jornais e outros meios de comunicação continuaram a destacar tais criminosos. Nos Estados Unidos, com o advento da televisão e das câmeras VHS entre 1960 e 1990, houve um aumento significativo dos casos de assassinatos em série, o que ampliou drasticamente o conteúdo midiático sobre eles.

A relação entre a mídia e o consumo das massas em torno de serial killers permanece forte. Segundo David Schmid, a presença de serial killers famosos na cultura americana contemporânea reúne duas características definidoras da modernidade estadunidense: a fama e a violência. O cinema, portanto, esclarece essa conexão, apresentando atos de violências encenados por estrelas de Hollywood. Assim, o cinema, de acordo  com Schmidt, cria um fascínio tanto pela figura do assassino quanto pelo horror que ele representa.

Atualmente, há uma certa “consciência” por parte de realizadores e produtores dessas produções. Ainda assim, acredito que o conteúdo continue como uma faca de dois gumes, pois, mesmo com alterações, ainda ocorre a divulgação e dramatização dos crimes.  De todo modo, nota-se um esforço quanto à mudança de foco e protagonismo. Muitas produções estão centrando as vítimas como ‘‘protagonistas’’, e as histórias, portanto, são contadas a partir de suas perspectivas. Ressalto isso, nessa longa introdução, porque A Garota da Vez (2024), da estreante, mas conhecida Anna Kendrick, seguirá exatamente essa abordagem. O filme é um pouco menos sobre Alcala e mais sobre as mulheres que sobreviveram a ele.

No roteiro assinado por Ian McDonald, é evidente o quanto a presença do assassino em série Rodney Alcala em um programa de namoro na TV é marcante. Assim, o roteiro segue a mesma linha da vida real ao posicionar o programa de TV em meio aos ataques de Alcala, visto que, mesmo condenado seis anos antes por crimes de agressão e estupro e continuando seus crimes, ninguém o reconheceu.

A narrativa, então, se divide em duas partes que constantemente se sobrepõem. Na primeira, acompanhamos Cheryl Bradshaw (Anna Kendrick), uma aspirante a atriz que recebe a oportunidade de atuar em um programa de TV, interpretando uma mulher solteira em busca de um namorado. A segunda linha narrativa foca em Alcala, explorando seu modus operandi e o perfil de suas vítimas. Inicialmente, cada narrativa complementa a outra, pois entendemos como Alcala (Daniel Zovatto) conquista suas vítimas e, assim, tememos por Cheryl, por ela estar sendo convencida por ele.

Apesar do começo estabelecedor, em que as partes se alternam para uma contextualização inicial, ao longo do filme essa alternância começa a desfazer o que fora proposto inicialmente. Se, a princípio, as duas narrativas ajudariam a contextualizar o porquê de Cheryl e Alcala estarem naquele programa, a continuidade dessa abordagem acaba gerando o efeito contrário: desinformação e uma maior sensação de distanciamento entre os eventos que se seguem. O filme tropeça nas próprias pernas, pois, embora Anna Kendrick demonstre habilidade em extrair humor e tensão em um cenário de TV, a parte em que Alcala comete crimes impunemente atrapalha drasticamente a produção.

Sinto isso devido ao aspecto anticlímax sempre que o filme sai do núcleo do programa de TV. Kendrick eleva a tensão e a dramatização, entregando cenas incríveis, como a aparentemente simples cena no estacionamento. No entanto, e em contraposto,  as cenas de Alcala se apresentam como um alívio equivocado, semelhante aos momentos de um filme de suspense, em que cenas calmas são usadas para equilibrar o fluxo, antes de retomar a tensão.

Esse incômodo me faz questionar a necessidade de lançar luz sobre os crimes de Alcala, a ponto de justificar uma segunda linha narrativa. Afinal, o suspense em torno de sua presença no programa de TV já não bastaria para criar um bom filme? Um filme sobre um assassino em série, sem ele cometendo crimes como em outras obras do gênero, deixaria de ser um filme sobre assassinos em série?

Isso me faz retornar a introdução, sobre novos filmes como visões das vítimas. A Garota da Vez é, de fato, um filme que prioriza Cheryl e que prioriza igualmente aspectos que são nítidos na carreira de Kendrick. Porém, ainda está preso a uma amarra que perdura por séculos: o assassino precisa de seu momento de destaque. Neste filme, há toda uma segunda linha narrativa dedicada a Alcala. Kendrick pode até optar por não filmar explicitamente, trabalhar apenas com sugestões; no entanto, a própria presença dessa segunda linha enfraquece o excelente trabalho que vinha sendo construído.

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*Formada em História pela Universidade Federal Fluminense e crítica de cinema. Por meio da página E O Cinema Levou (@eocinemalevou) no Instagram, discute a relação da História com o Cinema a partir de filmes.

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