Por Felipe de Souza*
“O Bebê de Rosemary” (1968) e “Imaculada’ (2024) são obras que, separadas por mais de meio século, exploram a vulnerabilidade feminina diante de instituições que moldam suas vidas e subjetividades, expondo distintas camadas de controle e opressão. Ambas narrativas se apóiam no terror, com abordagens que refletem as ansiedades sociais de suas épocas, usando a religião para tecer críticas sobre o papel colocado a mulher na sociedade.
A atmosfera de “O Bebê de Rosemary“ é densa e claustrofóbica, criada pelo isolamento progressivo da protagonista, Rosemary, que vê sua gravidez transformada em um mistério sombrio e cercado de manipulações. O terror psicológico neste filme surge do crescente sentimento de Rosemary de que está sendo constantemente traída, de que sua liberdade e segurança estão ameaçadas por aqueles que deveriam protegê-la. Essa sensação de paranóia reflete a pressão da sociedade dos anos 60 sobre as mulheres para que assumissem papéis tradicionais de esposa e mãe. O de Rosemary transcende a ameaça sobrenatural ao revelar a opressão e as expectativas culturais que limitam sua autonomia.
Enquanto, ”Imaculada” aborda o misticismo como uma metáfora para o aprisionamento da protagonista, Cecília. Ela vive em uma sociedade onde o tradicionalismo religioso dita as normas, impondo sobre ela uma perspectiva arcaica que, no entanto, ressoa com os dilemas contemporâneos sobre individualismo e dogmatismo. Diferentemente de Rosemary, que, por instinto maternal idealista, decide aceitar seu papel de mãe do filho de uma entidade maligna, Cecília, em um ato de rebeldia, recusa-se a ser mãe do filho de Deus. Esse confronto direto de Cecília com o ideal de sacrifício feminino imposto pelas tradições religiosas indica uma postura mais moderna e desafiadora frente à opressão.
A manipulação do corpo feminino é central em ambos os filmes, mas é tratada com simbolismos distintos. Em “O Bebê de Rosemary”, a gravidez de Rosemary simboliza a invasão e o controle do corpo da mulher por forças patriarcais, reduzindo-a a um receptáculo para uma vida. O filme sugere que o verdadeiro horror está na perda de controle que Rosemary sofre, onde as liberdades reprodutivas e a autonomia feminina eram limitadas. Em Imaculada, Cecília enfrenta normas rígidas que procuram moldar seu comportamento e corpo, apresentando seu dilema como uma disputa entre a busca por liberdade e a submissão a dogmas religiosos. O corpo feminino, portanto, torna-se um campo de batalha onde se confrontam os anseios por emancipação e as imposições de pureza e obediência.
A religião, em ambos os filmes, é um elemento ambíguo que oscila entre proteção e dominação. Em “O Bebê de Rosemary”, a religião é um o culto satânico que simboliza uma paródia do cristianismo, refletindo uma crítica ao uso da fé como ferramenta de controle sobre a mulher. Essa opressão religiosa é imposta a Rosemary por um sistema patriarcal que, através de fanatismo e manipulação, transforma a gravidez de Rosemary em uma prisão. Em contraste, “Imaculada” revela um poder religioso menos explícito, mas igualmente opressor, onde a religião é uma força cultural implacável que aprisiona Cecília em um papel predeterminado. A escolha da protagonista de rejeitar seu destino como mãe do filho de Deus questiona o ideal religioso de abnegação, expondo as contradições enfrentadas por mulheres que, ainda hoje, buscam escapar de dogmas que restringem suas liberdades pessoais.
O isolamento psicológico experimentado por “Rosemary e Cecília” é um reflexo de suas lutas internas e sociais. Rosemary vive um isolamento doméstico, sentindo-se traída e rodeada por um ambiente que a engana e manipula. Esse terror cotidiano simboliza o desconforto e a opressão sentidos por muitas mulheres, que, confinadas ao espaço doméstico, se vêem privadas de voz e autonomia. Cecília enfrenta um isolamento introspectivo, questionando suas crenças e as expectativas que a religião impõe. A desconexão emocional da protagonista representa a fragmentação da experiência feminina em uma sociedade onde o julgamento moral cria um isolamento constante.
“O Bebê de Rosemary” e “Imaculada” são filmes que utilizam o horror para refletir sobre as lutas por autonomia e as imposições culturais enfrentadas pelas mulheres. Enquanto “O Bebê de Rosemary” levanta questionamentos sobre o controle do patriarcado e as limitações da liberdade feminina na década de 1960, “Imaculada” resgata essas questões e as atualiza para o século XXI, onde o conflito entre identidade e dogma religioso continua a desafiar as mulheres. O horror transcende, assim, o entretenimento, e transforma-se em um espelho das ansiedades sociais e dos esforços pela emancipação feminina. Cada filme, ao seu modo, revela a profundidade do terror psicológico e das restrições impostas às mulheres por estruturas de poder que ainda persistem.
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*Cinéfilo e Membro do Podcast Cinema em Movimento