Ainda Orangotangos e o Tempo

Por Álvaro Nicotti*

Quando passamos dos 40 anos é que a nostalgia dá as caras em nossa mente. A animação Divertidamente 2 corrobora com essa afirmação. Pois, aos quarenta e poucos, já se passou tempo suficiente para vivermos mais de um momento histórico; mais de uma fase do Internacional – aqui, importante dizer que sou um colorado forjado na década de 90, e apenas o tempo me ensinou que é possível ser feliz com seu time –; mais de um perfil de turma de amigos; mais de uma mudança radical de hábitos; passamos da condição de filho rebelde e viajandão para um pai careta e preocupado; sentimos saudade de algo que parecia não ter fim, mas que, agora, percebemos que já ficou para trás há um bom tempo.

Quando assisti Ainda Orangotangos, senti essa nostalgia diluída em muitas das minhas memórias. Um Porto-alegrense que nasceu na zona norte e que, quase toda sexta ao entardecer, pegava o T1 para descer na Ipiranga, esquina com a Lima e Silva, rumo à Cidade Baixa.

Na Cidade Baixa, como um andarilho sedento por rodas de gente em frente a bares populares (ou nem tanto), o contato com os mais diversos personagens era frequente e, na maioria das vezes, divertido. Era uma época em que circular de ônibus rumo a bairros de folia e multidões nas calçadas era algo animador.

O ano é 2006. Tempo de promessa de mais um governo progressista. Ano em que a classe média consumia, e a boemia transpirava. Ano em que ninguém fazia ideia de que uma pandemia atingiria o mundo sob um presidente fascistoide e negacionista. Muito menos se cogitava, ainda que remotamente, que a ditadura branca do Centrão pudesse se consolidar como força política dominante (opa, fui longe demais na política?). Também foi o ano em que o colorado fez sua torcida transbordar de alegria com o gol do Gabiru em cima do melhor Barcelona de todos os tempos, dando ao Internacional o título mundial de clubes. Ano bom esse, o de 2006.

Não sei se faz sentido, mas esse excelente filme me trouxe essa experiência — e um pouco dessas memórias.

A seguir, um pouco mais sobre Ainda Orangotangos, nas palavras de Antônio Grassi:

AINDA ORANGOTANGOS é todo realizado num único plano sequência, sem cortes, de mais de 80 minutos. Circula por Porto Alegre, em espaços públicos, ruas, ônibus, trem, estação de metrô e apartamentos. É uma experiência fantástica … com resultado eletrizante.

Seus personagens inusitados, ainda orangotangos, vivenciam situações muito loucas e se cruzam como passando o bastão da história um a outro. Como numa corrida de revezamento, que fascina e quase levanta o espectador da cadeira.

O filme foi realizado com recursos do edital de baixo orçamento, custando dois meses de ensaios e rodado 6 vezes. O resultado, interessantíssimo, mostra o excelente trabalho de elaboração e direção com toda a complexidade.

O plano-sequência é sonho dos atores, principalmente os de formação teatral, e o elenco de AINDA ORANGOTANGOS usufrui da experiência com muita entrega e prazer.

Sobre o filme

Ainda Orangotangos (2007) é dirigido pelo gaúcho Gustavo Spolidoro. O filme é uma adaptação de seis contos do livro homônimo do escritor gaúcho Paulo Scott.

Roteirizado por Gibran Dipp e Spolidoro e produzido pela Clube Silêncio, o filme mostra 14 horas de um dia quente de Verão, quando 15 personagens transitam pelas ruas e pelos prédios de Porto Alegre.

Em 25 de abril de 2024, o filme foi exibido no Cina Salinha, na Casa Colarte, em Tramandaí, Litoral Norte do RS. Naquela oportunidade, foi possível fazer um bate papo com o ator Roberto Oliveira.

O filme está disponível no site do diretor (CLIQUE AQUI)

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*Professor, pesquisador e editor do site TemQueVer

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