Filme Bicho de Sete Cabeças
Por Mariele Peruzzi Felix*
Tudo começa na infância. De um jeito ou de outro. Famílias distantes. Filhos incompreendidos. Filhos distantes. Vícios. Drogas. Álcool. Medicamentos. Uso abusivo. Dependência. Como diz Oliveira: “A importância atribuída pela psicanálise à infância das pessoas é a sua explicação sobre as características emocionais das diferentes fases da vida humana”.
O Governo, o Estado e a indústria farmacêutica também são fatores importantes e determinantes quando falamos de álcool e outras drogas.
Hoje, nesse episódio, trago o filme “Bicho de sete cabeças”, que é inspirado no livro “Contos dos Malditos”. No filme, acompanhamos o relacionamento difícil de um pai e um filho e todas as consequências dessa relação. Neto passa seus dias no quarto escutando música, indo na aula e saindo com seus amigos. Em um certo dia, em que seu pai mexe em uma roupa sua e encontra um cigarro de maconha no bolso da calça, em vez de buscar conversar com seu filho, o pai então combina com ele de irem visitar alguém em uma Instituição. Enquanto Neto está no pátio, seu pai aponta para os enfermeiros dizendo que seu filho está ali. Neto então é agarrado e levado para dentro da Instituição. Ele grita, pede para o seu pai explicar que ele não tem nada a ver – chama pelo pai – mas o mesmo apenas assiste tal cena.
Conforme vamos acompanhando a história, observamos que a vida de Neto vai piorando a cada dia dentro desse local. Ele passa os dias sendo medicado, “zonzo”. Quando seus pais vão o visitar, é visível o excesso de medicação ao qual ele está sendo submetido. Ele pede para a família para sair de lá, tenta falar sobre o ambiente adoecedor, mas não é escutado.
A falta de proximidade da família, seja nessa história do filme, seja na vida real – gera muitas situações e experiências difíceis e complicadas. A partir de pesquisas que fiz, de histórias que são contadas e de vivências familiares, posso dizer que as situações de álcool e drogas, em sua maioria, vêm de infâncias tristes, de crianças abandonadas, de famílias desencontradas.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), dependência química: “Se caracteriza pelo uso de drogas lícitas ou ilícitas de uma maneira que coloque em risco a saúde e o bem-estar físico e mental do indivíduo, bem como a segurança e o bem-estar das pessoas ao seu redor”. Ainda, a OMS considera esse tipo de vício como um quadro clínico que necessita de tratamento médico. De acordo com uma pesquisa da OMS divulgada em 2021, 6% da população brasileira, ou seja, 12,4 milhões de pessoas, vive algum tipo de dependência química.
No livro “Amigos, amores e aquela coisa terrível”, acompanhamos as memórias de Matthew Perry –o Chandler da famosa série Friends. Ele nos leva a uma narrativa desde à sua infância à vida adulta: em que desde bebê, ele sempre foi um menor desacompanhado. Seja quando sua mãe o colocava sozinho em voos de avião com cinco anos para viajar até a cidade do pai, seja depois na vida adulta, quando suas energias eram todas investidas em uso de álcool e vício em remédios, que lhe traziam um aparente tamponamento no vazio que sempre sentiu.
No filme “Diário de um adolescente”, baseado na biografia do escritor estadunidense James Dennis, o “Jim” Carroll – temos no papel de Jim, Leonardo DiCaprio, interpretando um jovem jogador de basquete muito promissor, que vê seus sonhos no esporte serem interrompidos quando ele se vicia em drogas.
Se a busca por excesso de álcool e tipos de drogas é também para tapar algum buraco da infância, isso ocupará um lugar profundo e trará perdas e danos no caminho. Seja na saúde física e mental, seja nas relações.
Voltando ao filme “Bicho de sete cabeças”, na história de Neto, que foi levado a um local que não trata, mas que sim, desumaniza e adoece, acompanhamos a sua piora progressiva. Se o motivo de o pai o interná-lo foi por encontrar um cigarro de maconha no bolso do filho, agora ele é drogado dia a dia, se encontrando em uma piora que a família não vê – ou faz de conta que não vê. Seus pais, na verdade, o estão adoecendo mais. O que já vinham fazendo com desprezo e distância.
Assim como álcool, drogas e remédios, não ter uma família que cuide e que esteja atenta é também uma outra droga! Como podemos ver no filme de Truffaut, “Os incompreendidos”, em que acompanhamos a relação de uma mãe e um pai com seu filho e o quanto eles o deixavam em abandono e o tratavam com desrespeito – o menino acaba enfrentando então desprezo dos pais e autoritarismo na escola.
Infelizmente, não vemos histórias como essas apenas na ficção. Vemos também na vida real. E para que possamos refletir, buscar escutar mais e oferecer apoio com presença e qualidade, finalizo com um trecho de uma das músicas do filme que diz: “Não tem dó no peito. Não tem jeito. Não tem ninguém que mereça. Não tem coração que esqueça. Não tem pé não tem cabeça. Não dá pé não é direito. Não foi nada eu não fiz nada disso. E você fez um bicho de sete cabeças. Bicho de sete cabeças”.
REFERÊNCIAS DO TEXTO
Amigos, amores e aquela coisa terrível: as memórias do astro de Friends. Matthew Perry. Tradução: Carolina Simmer. 1ª edição. Rio de Janeiro. Editora Best-Seller. EUA. 2023.
Bicho de sete cabeças. Filme de longa metragem. Direção: Laís Bodanzky. Disponível em Netflix. 2001.
Bicho de sete cabeças. Música. Composição: Zé Ramalho e Geraldo Azevedo. 1979.
Diário de um adolescente. Filme de longa metragem. Direção: Scott Kalvert. Disponível em Looke. 1995.
O brincar e a criança do nascimento aos seis anos. Vera Barros de Oliveira (organizadora). Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
Os incompreendidos. Filme de longa metragem. Direção:François Truffaut. França. 1959.
https://vestibulares.estrategia.com/portal/materias/redacao/7-filmes-sobre-dependencia-quimica
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* Escritora, Fonoaudióloga, Musicoterapeuta e Psicanalista. É Especialista em Cinema e Linguagem Audiovisual. Tem curso de Roteiro Cinematográfico e de Direção Cinematográfica, ambos pela Fluxo – Escola de Fotografia. É diretora e roteirista do curta metragem Fluidez (disponível no Vimeo). Idealizadora e apresentadora do Podcast Narrativas no Cinema (disponível na SULFLIX, Spotify e YouTube).










