BIZARROS PEIXES DAS FOSSAS ABISSAIS

Por Leonardo Lima*

Passadas duas décadas e meia desde sua estreia como diretor de animação, o cineasta carioca Marcelo Marão (ou simplesmente Marão, como prefere que o chamem) finalmente lança o seu primeiro longa-metragem, Bizarros Peixes das Fossas Abissais, projeto este que é o resultado dos esforços de dez anos voltados tanto para a captação de recursos como para a produção da obra em si.

Logo nos primeiros minutos já é possível apreciar os traços característicos do diretor ao se utilizar da técnica full animation (2D), os quais trazem consigo minimalismo das formas e fluidez de movimentos no intuito de contar as heroicas e inusitadas aventuras de um improvável trio, formado por uma mulher com superpoderes excêntricos, uma tartaruga com transtorno obsessivo-compulsivo e uma nuvem com incontinência pluviométrica.

O caráter surreal desse encontro é reforçado graças à criatividade extrema de Marão ao conduzir sua narrativa, que não se apega a firulas de roteiro para complexificar desnecessariamente os acontecimentos. A leveza de Bizarros Feixes das Fossas Abissais está em estreita sintonia com a natureza insular e ilógica dos eventos que vão se sucedendo de modo linear em tela, sempre com uma boa dose de surrealismo.

Impossível ficar incólume à proposta de Marão, ainda que seus personagens, em especial a nuvem e a tartaruga, padeçam de uma certa unidimensionalidade por não terem suas personalidades desenvolvidas mais a fundo. A exceção se resume, em parte, à mulher detentora de superpoderes, uma vez ser ela a responsável por guiar os rumos da história haja vista sua missão com fins altruístas.

Algo positivo que merece ser destacado é a evolução de Marão no que diz respeito às questões de gênero que permeiam a gramática imagética em torno de seus personagens. Mesmo sendo sua protagonista uma mulher inegavelmente curvilínea, e tendo como principal proeza a transformação de suas nádegas em um gorila indestrutível, ela nunca é limitada narrativamente apenas aos seus atributos físicos, uma postura machista e sexista passível de ser observada em Chifre de Camaleão (2000), curta do mesmo diretor.

Dito isso, vale salientar, por fim, o quão bom e gratificante é assistir a animações brasileiras que usam e abusam da criatividade para tecer os seus fios visuais e narrativos. O público nacional só tem a ganhar ao conhecer cineastas como Marão, que fazem de seus trabalhos grandes dádivas capazes de arrancar um sorriso do mais sisudo dos seres humanos.

*Recifense, 38 anos, sociólogo, aliado do feminismo e do movimento LGBTQIAP+, antirracista e torcedor do Santa Cruz. Crítico de cinema, mantenho no Instagram a página Cine Mulholland e um perfil na rede social cinéfila Letterboxd. Também sou integrante do Podcast Cinema em Movimento e do site Urge!

 

Comente