Conflito no campo em cena

CONFLITO NO CAMPO

Por Álvaro Nicotti*

No dia 22 de janeiro, o Movimento Sem Terra comemora a sua fundação. Um movimento de resistências e conquistas. A data é marcada pela realização do 1º Encontro Nacional dos Sem Terra, em 1984, na cidade de Cascavel (PR). Desde então, o MST tem sido fundamental em nossa luta pela democracia e por um Brasil mais justo. Na pandemia de Covid-19 se notabilizou pela campanha de solidariedade que levou comida para milhares de famílias! Parabéns pelo trabalho e pela luta.

NO ENTANTO…

No dia 29 de abril de 2019 o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, prometeu não punição a quem cometer crime em defesa da propriedade. O mesmo se utiliza da expressão “excludente de ilicitude”, um modo bem pomposo e, até de certa forma, intelectualizado, o que me surpreende para o medianíssimo bolsonarista. Contudo, ao meu ver, é sinal verde que o presidente da para o avanço da violência no campo, à desproteção para as áreas de preservação e, lógico, a criminalização do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

Mas o que chama mais a atenção é o comportamento, por parte de nossa sociedade reacionária legitimada pelo tom da mídia, de tentar entender e justificar tal medida do executivo de extrema direita do Brasil. A mídia corporativista deixou claro que essa é uma medida autoritária e que cabe a justiça definir se houve, ou não, legítima defesa nos casos de defesa de propriedade (legítima defesa esta que esta tipificada em lei). Porém, ao tentar entender o lado do proprietário rural, ela se solidariza com o medo e receio que estes têm com os Sem Terras e suas invasões, deixando, mais uma vez, implícita sua posição contrária ao movimento. É por isso que venho aqui relembrar alguns dados e instigar a interpretarmos os fatos por um outro ponto de vista.

A violência no campo no Brasil é a maior desde 2003, segundo o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgado no dia 16 de abril de 2019. Em 2017, foram 70 assassinatos, um aumento de 15% em relação ao número de 2016. O Pará liderou o ranking de violência, com 21 assassinatos ano passado. Dos 70 assassinatos em 2017, 28 ocorreram em massacres, o que corresponde a 40% do total. Desde 1985 a 2017, foram registrados 46 massacres no país com 220 vítimas.

No entanto, segundo Antônio Canuto, integrante da CPT e um dos responsáveis pelo levantamento, o número de conflitos não se refere à totalidade. “Esses são os casos que chegaram ao conhecimento da CPT. Há muitos outros por aí que não se tem conhecimento”.

Com mais conflitos e mais pessoas envolvidas, houve um acirramento da tensão no campo. Em 2018, o poder privado foi responsável pela expulsão de 2.307 famílias- um aumento de 59% em relação a 2017. “Três regiões foram responsáveis pela maior parte das expulsões: Norte, com 36,3% das famílias expulsas; Sudeste, com 35,6%; e Centro Oeste, com 24,9%”, aponta o estudo.

A partir destes dados é possível fazer alguns questionamentos. Por que só se mostra o lado do grande proprietário rural como vítima nos casos de invasões de terra? Por que esse número gigante de famílias expulsas pelo poder privado é ignorado por um grande naco da sociedade brasileira? As famílias expulsas não tiveram seu direito a propriedade ferido? Não legitima defesa àquelas famílias que optaram por reconquistar a terra usurpada, seja por meio de invasão?

Lembrando que o presidente Jair Bolsonaro tem viés ideológico, mas ao mesmo tempo é marionete de entidades e segmentos da nossa sociedade em manter privilégios. O próprio presidente, em campanha, já havia dito que iria “pôr fim a todos os ativismos do Brasil” e que não poderia “continuar flertando com o comunismo e o socialismo”.

Por fim, para fechar com chave de ouro, o mesmo presidente, ao anunciar tal medida de “excludente de ilicitude” para os proprietários cidadãos de bem se “defenderem” de qualquer tipo de ameaça, elogiou o governo do ditador general Médici (1968-1972) pela sua política de modernização do campo e seus avanços na economia nacional. Lembro o Jair (na verdade não vale a pena lembrar ele, ele não gosta de história), mas lembro então a quem está me lendo que esse milagre econômico e essa modernização do campo fizeram com que o Brasil tivesse um dos maiores êxodos rurais do mundo, dando origem às gigantescas favelas urbanas que hoje presenciamos nas grandes capitais.

É assim, através de uma denuncia sob uma perspectiva ocular de uma das partes do conflito do campo do Brasil, ao qual não é divulgada de forma ampla por nossa mídia corporativa e segmentos conservadores e liberais de nossa sociedade, que venho indicar 14 filmes relacionados à luta e à história do Movimento Sem Terra. Movimento que está organizado em 24 estados nas cinco regiões do país. No total, são cerca de 350 mil famílias que conquistaram a terra por meio da luta e organização dos trabalhadores rurais.

1. A classe roceira (1985)

2. Terra para Rose (1987)

3. Getulina meu amor (1994)

4. Pensar em Você (1999)

5. Raiz Forte (2000)

6. Arquiteto da Violência (2000)

7. 5° Congresso Nacional do MST- Lutar Sempre (2007)

8. Los Sin Tierras- Pelos los Caminos de América (2007)

9. ENFF: Uma Escola em Construção (2009)

10. Lutar, Construir a Reforma Agrária! (2014)

11. A Farsa: Ensaio sobre a Verdade (2017)

12. Ocupar, Resistir e Produzir!- As feiras do MST (2018)

13. Chão (2019)

14. LGBT Sem Terra: O amor faz a revolução (2020)

*Professor, pesquisador e colaborador do TemQueVer

 

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