Consciência Negra em Cena

Por Álvaro Nicotti*

Dia Nacional da Consciência Negra é celebrado, no Brasil, em 20 de novembro. No contexto histórico, as celebrações do 20 de novembro surgiram na segunda metade dos anos 1970, no âmbito das lutas dos movimentos sociais contra o racismo. Em um sábado de 1970, um grupo de negros no Rio Grande do Sul cunhou o dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra.

O idealizador do Dia Nacional da Consciência Negra foi o poeta, professor e pesquisador gaúcho Oliveira Silveira. Silveira foi um dos fundadores do Grupo Palmares, associação que reunia militantes e pesquisadores da cultura negra brasileira, em Porto Alegre. Em 1971, ano da fundação do Grupo, ele propôs uma data que comemorasse o valor da comunidade negra e sua fundamental contribuição ao país.

Por horas, homens e mulheres falaram sobre a história de Zumbi e de outro rei de Palmares, Ganga Zumba, sobre como os negros foram trazidos da África para o Brasil e o que foi a escravidão no Brasil. Ainda recitaram poemas de Castro Alves e Solano Trindade. A data inicial a ser escolhida era 13 de maio, o grupo de gaúchos frequentavam rodas que questionavam havia tempos a legitimidade da data do 13 de maio para o povo negro.

Uma publicação da editora Abril e mais algumas pesquisas sobre o quilombo dos Palmares levaram o grupo à nova data: o 20 de novembro, a morte de Zumbi. Oliveira Silveira, que se tornaria um dos intelectuais negros mais importantes do país, levou a ideia ao grupo, que aprovou. Assim, escolheu-se o dia 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares.

Necropolítica e Racismo

A chacina do Jacarezinho, também conhecida como massacre do Jacarezinho, ocorreu em 6 de maio de 2021 na favela homônima, no Rio de Janeiro, durante uma operação da Polícia Civil que resultou em pelo menos 29 pessoas mortas a tiros ou com objetos de corte. Foi a operação policial mais letal ocorrida na cidade do Rio de Janeiro e uma das maiores desse estado, sendo comparável à chacina da Baixada de 2005.

Este crime coletivo se soma as outras centenas de barbaridades e agressões que o povo pobre e negro sofre no Brasil, pois não são somente massacres! São espancamentos em frente a porta do supermercado, expulsão de dentro de loja grife de bairro de madame, em bairros de luxos de centros urbanos do Brasil. E esta história não é recente, ela começa lá atrás quando os primeiros navios de escravos desembarcaram no Brasil e passaram a fazer parte de um sistema onde a morte é banalizada, ao qual chamamos de Necropolitica.

A necropolitica como soberana e com condições de impor a escolha de quem deve viver e quem deve morrer ou, quem faz parte da civilização ou quem é considerado selvagem, tem suas raízes na época da colonização/invasão europeia nas Américas. A escravidão, a exceção e, principalmente, a ocupação dos espaços ditavam o Direito. Nesta época, portanto, o espaço se apresentava como “a matéria-prima da soberania e da violência que sustentava. Soberania significa ocupação, e ocupação significa relegar o colonizado em uma terceira zona, entre o status de sujeito e objeto (Mbembe)**.

Na dicotomia entre o civilizado e o selvagem, que nada mais é que uma das essências da narrativa do necropoder, tem no período colonial uma particularidade: a escravidão. Navios lotados oriundo da África desembarcaram nas colônias americanas abarrotadas de negros escravizados para trabalharem nas grandes plantações. É a partir desta relação do europeu com o escravizado negro que Mbmebe conceitua a necropolitica baseada no necropoder, quando afirma que a condição de escravo “resulta de uma tripla perda: perda de um ‘lar’, perda de direitos sobre seu corpo e perda de status político. Essa perda tripla equivale a dominação absoluta, alienação ao nascer e morte social (expulsão da humanidade de modo geral)”

E a necropolitica segue firme e forte, principalmente no Brasil, onde ampliou sua voz com o atual governo de Jair Bolsonaro. A título de exemplo, numa palestra para aproximadamente 300 pessoas no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, na condição de pré-candidato à presidência, Jair Bolsonaro falou assim: “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles”. Este tipo de colocação, por parte do presidente brasileiro, reforça bem o que se define por fascismo, ao deixar claro que nesta ideologia o autoritarismo e o desprezo pela diversidade são a regra.

Para concluir, é importante registrar que a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil, em 2018 e sua politica necrófila e fascista, é consequência de um processo de quebra institucional que criou corpo a partir do afastamento da presidente Dilma Roussef em 2016. Desde então, políticas neoliberais, reformas constitucionais impopulares e um programa de recuperação econômica baseada no endividamento social, foram as ações das elites brasileiras que tomaram o poder. No entanto, este processo não foi uma característica peculiar do Brasil, foi um movimento identificado em diversas parte do mundo. Soma se a isso, o discurso conservador e moralista se dilui nas ações neoliberais e formaram um prato cheio para a ascensão da extrema direita ao poder de diversos países. E a extrema direita no poder nada mais fez do que escancarar a necropolitica e o necropoder que sempre existiram, mas que ganharam vozes ecoantes em todas as partes do planeta.

Engajado nesta data importante para a povo brasileiro, trazemos algumas sugestões de filmes que contextualizem este tema.

Bróder (2009)

Capão Redondo, bairro de São Paulo. Macu (Caio Blat), Jaiminho (Jonathan Haagensen) e Pibe (Sílvio Guindane) são amigos desde a infância e seguiram caminhos distintos ao crescer. Jaiminho tornou-se jogador de futebol, alcançando a fama. Pibe vive com Cláudia e tem um filho com ela, precisando trabalhar muito para pagar as contas de casa. Já Macu entrou para o mundo do crime e está envolvido com os preparativos de um sequestro. Uma festa surpresa organizada por dona Sonia (Cássia Kiss), mãe de Macu, faz com que os três amigos se reencontrem. Em meio à alegria pelo reencontro, a sombra do mundo do crime ameaça a amizade do trio.

Agosto Negro (2007)

A curta vida do ativista condenado George Lester Jackson (Gary Dourdan, da série CSI) se torna o estopim para uma revolução, dando início a mais sangrenta rebelião ocorrida em toda a história do presídio de San Quentin. Agosto Negro narra a jornada espiritual e a violenta fé de Jackson, desde sua condenação por roubar 71 dólares de um posto de gasolina até galvanizar a Família Black Guerrilla com seu incendiário livro, criado a partir de cartas, Soledad Brother, ou espalhar ferocidade nos corredores de San Quentin em um dia de agosto, quando seu irmão mais novo, Jonathan, chocou o país ao fazer refém toda uma corte de justiça na Califórnia, em protesto pelo julgamento de Jackson. Para o militante George Jackson, a revolução não era uma escolha, mas uma necessidade.

Histórias Cruzadas (2011)

Jackson, pequena cidade no estado do Mississipi, anos 60. Skeeter (Emma Stone) é uma garota da sociedade que retorna determinada a se tornar escritora. Ela começa a entrevistar as mulheres negras da cidade, que deixaram suas vidas para trabalhar na criação dos filhos da elite branca, da qual a própria Skeeter faz parte. Aibileen Clark (Viola Davis), a emprega da melhor amiga de Skeeter, é a primeira a conceder uma entrevista, o que desagrada a sociedade como um todo.Apesar das críticas, Skeeter e Aibileen continuam trabalhando juntas e, aos poucos, conseguem novas adesões.

Amistad (1997)

Baseado em um evento real, este filme relata a incrível história de um grupo de escravos africanos que se rebela e se apodera do controle do navio que os transporta e tenta retornar à sua terra de origem. Quando o navio, La Amistad, é aprisionado, esses escravos são levados para os Estados Unidos, onde são acusados de assassinato e são jogados em uma prisão à espera do seu destino.Uma empolgante batalha se inicia, o que capta o interesse de toda a nação e confronta os alicerces do sistema judiciário norte-americano. Entretanto, para os homens e mulheres sendo julgados, trata-se simplesmente de uma luta pelos diretos básicos de toda a humanidade: a liberdade.

A Negação do Brasil (2000)

O documentário é uma viagem na história da telenovela no Brasil e particularmente uma análise do papel nelas atribuído aos atores negros, que sempre representam personagens mais estereotipados e negativos. Baseado em suas memórias e em fortes evidências de pesquisas, o diretor aponta as influências das telenovelas nos processos de identidade étnica dos afro-brasileiros e faz um manifesto pela incorporação positiva do negro nas imagens televisivas do país.

Infiltrados na Klan (2018)

Em Infiltrado na Klan, que se passa em 1978, Ron Stallworth (John David Washington), um policial negro do Colorado, conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan local. Ele se comunicava com os outros membros do grupo através de telefonemas e cartas, quando precisava estar fisicamente presente enviava um outro policial branco no seu lugar. Depois de meses de investigação, Ron se tornou o líder da seita, sendo responsável por sabotar uma série de linchamentos e outros crimes de ódio orquestrados pelos racistas.

Mississipi em Chamas. (1988)

Mississipi em Chamas, realizado em 1988, trata do assassinato de três ativistas, um deles negro, dos direitos humanos no Sul dos Estados Unidos por remanescentes da KKK (KU KLUX KLAN) na década de sessenta. As vítimas são jovens militantes; o crime agita assim a imaginação do povo e o governo federal é obrigado a intervir.

No Limite entre Nós (2016)

Anos 1950. Troy Maxson (Denzel Washington) tem 53 anos e mora com a esposa, Rose (Viola Davis), e o filho mais novo, Cory (Jovan Adepo). Ele trabalha recolhendo lixo das ruas e batalha na empresa para que consiga migrar para o posto de motorista do caminhão de lixo. Troy sente um profundo rancor por não ter conseguido se tornar jogador profissional de baseball, devido à cor de sua pele, e por causa disto não quer que o filho siga como esportista. Isto faz com que o jovem bata de frente com o pai, já que um recrutador está prestes a ser enviado para observá-lo em jogos de futebol americano.

Roman J. Israel (2017)

Roman J. Israel (Denzel Washington) é um advogado determinado e honesto, acostumado a ver os outros ganharem crédito por seu bom trabalho. Ele defende que os criminosos sejam julgados de forma justa e não teme ir contra o sistema. Porém, quando seu sócio sofre um ataque cardíaco, a firma é fechada e Roman é convidado a assumir um cargo na companhia do ambicioso George Pierce (Colin Farrell), que se importa mais com o dinheiro do que com a justiça. O que ele não imaginava é que passaria a questionar seus próprios valores em meio aos perigosos bastidores do poder.

M8: Quando a morte socorre a vida (2020)

Cavalo de Santo (2020)

Quilombo dos Machados: A Flor que Rompe o Asfalto (2021)

A documentário intitulado “Quilombo dos Machado: a flor que rompe o asfalto”, é resultado de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), feito sem orçamento e a muitas mãos; um trabalho deveras coletivo. Uma pesquisa exploratória que buscou compreender em que medida o laço cultural de Matriz Africana contribui para a criação de cuidados no território Quilombo dos Machado durante a pandemia do novo coronavírus e sustenta práticas para a manutenção da vida em comunidade, dentro do território. O conteúdo audiovisual é dividido em três partes. Inicialmente, são resgatadas as narrativas da história do Quilombo dos Machado, que passou de uma luta pela moradia para uma luta territorial. Logo em seguida, o documentário apresentará os movimentos por saúde, educação e cultura dentro da comunidade. Por último, buscou se testemunhar algumas mudanças para proteção da vida com a chegada do covid-19 no Quilombo dos Machado.

*Professor, pesquisador e editor/colaborador do site TemQueVer.

**Achille Mbembe é um filósofo e cientista social camaronês responsável por cunhar o termo necropolítica.

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