DEPOIS DE HORAS e o surrealismo urbano de Martin Scorsese (Crítica)

Por Pablo Rodrigues*– direto do Janela Internacional de Cinema de Recife

O sentimento de deslocamento, de sentir-se um peixe fora d’água em meio ao caos urbano, era algo que o cineasta Martin Scorsese conhecia de perto, pois também já havia se sentido assim, principalmente após ingressar na Universidade de Nova York durante a década de 1960. É justamente esse sentimento que o fez se identificar e aceitar dirigir o filme DEPOIS DE HORAS (1985) que, mesmo não sendo um projeto idealizado pelo diretor, possui todos os elementos típicos de seu cinema, sendo um das obras mais scorseseanas de sua filmografia.

A trama acompanha Paul Hackett (Griffin Dunne), um operador de computadores de Manhattan que, entediado com seu trabalho e com sua monótona vida, aceita ir até o bairro do Soho se encontrar com uma mulher que conheceu em um café. Porém, circunstâncias cada vez mais bizarras o impedirão de voltar para casa.

DEPOIS DE HORAS é uma comédia deliciosa e arrebatadora, que aborda de forma divertida as dificuldades da classe média trabalhadora americana em sair das garras do capital. O que acontece com o protagonista ao longo do filme é quase que uma punição sobrenatural para o mesmo por este ter tido a “ousadia” de sair de sua prisão(o trabalho, o padrão social) e ir atrás de sexo em um lugar que foge a esses padrõesnormativos. Nesse sentido, o roteiro inteligente constrói uma trama surrealista, com uma tensão crescente, inserindo detalhes ao longo de todo filme, que vão se interligando numa costura narrativa sensacional. A sensação que temos é de estar vendo um pesadelo Kafkiano.

Por sua vez, a direção do Scorsese está brilhante, com uma câmera em constante movimento, que parece ter vida própria e que, somada à excelente montagem da Thlelma Schoolmaker, trazem um ritmo dinâmico e ágil ao filme, com situações cada vez mais bizarras, uma apósa outra, num crescendo de tensão sufocante e divertida.

A fotografia e o design de produção, por sua vez, aproveitam muito bem o ambiente urbano do “submundo” de Nova York e fazem um ótimo uso simbólico das cores, em especial o vermelho, representando tanto a pulsão sexual das personagens, quanto um alerta para o perigos que o protagonista passa a vivenciar (real ou de modo paranoico).

As atuações são outro ponto forte do filme. Griffin Dune consegue transmitir muito bem todo o desespero e deslocamento de seu personagem. Destaque também para a misteriosa Rosanna Arquette, além de Catherine O’Hara e Teri Garr.

Exibido em versão restaurada em 4k no XV JANELA INTERNACIONAL DE CINEMA DO RECIFE, DEPOIS DE HORAS é um dos melhores filmes de Scorsese. Uma obra-prima que mostra toda a versatilidade deste gênio.

*Psicólogo social, crítico de cinema, militante de esquerda, criador do canal do Youtube e do podcast CINEMA EM MOVIMENTO.

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