DIVERTIDA MENTE 2 E O AMADURECIMENTO SEM RISCOS (CRÍTICA)

Por Pablo Rodrigues*

Quando lançado em 2015, o primeiro DIVERTIDA MENTE mostrou-se uma das melhores animações de sua época e foi o auge da criatividade e da capacidade do estúdio Pixar em criar animações de alta qualidade. Um dos principais destaques do filme é sua originalidade na criação de seu universo e na forma lúdica com que conseguiu representar conteúdos complexos relacionados aos processos cognitivos da mente humana. No entanto, de lá pra cá, a Pixar passou por reformulações, mudanças na diretoria, o que acabou impactando no resultado de suas obras. Poucos exemplares do estúdio mostraram-se o relevantes nesse período e o mesmo passou a investir em sequências de seus grandes sucessos. DIVERTIDA MENTE 2, seu mais novo projeto, nasce desse contexto.

No filme, acompanhamos novamente a jovem Riley (Kaitlyn Dias), que agora está um pouco mais velha, com 13 anos de idade e entrando na adolescência. Ao mesmo tempo, com a chegada desse período de sua vida, a sala de controle das emoções em sua mente, onde estão Alegria (Amy Poehler), Tristeza (Phylis Smith), Raiva (Lewis Black), Medo (Tony Hale) e Nojinho (Liza Lapira), passam por conflitos ocasionados pela chegada de novas emoções como a Inveja (Ayo Edebiri), Tédio (Adèle Exarchopoulos) e Vergonha (Paul Walter Hauser), as quais são lideradas pela Ansiedade (Maya Hawke).

Diferente do longa de 2015, que foi dirigido por Pete Docter, desta vez a direção ficou a cargo de Kelsey Mann, que consegue fazer um trabalho competente, porém, sem assumir riscos. A animação também continua de ótima qualidade e mantém um bom ritmo com uma montagem dinâmica, que consegue articular bem suas duas linhas narrativas (a que se passa dentro da mente da Riley e a que se passa fora) sem deixar a trama confusa. As personagens continuam carismáticas, assim como as novas emoções. Um detalhe interessante que demonstra o cuidado do roteiro é que, estas emoções, a saber, Vergonha, Inveja, Tédio (que está sempre com um console/tablete na mão, o que diz muito sobre os jovens da atualidade) e a antagonista do filme, a Ansiedade, todas são emoções muito presentes durante a adolescência, período no qual a protagonista está entrando.

Outro ponto assertivo do roteiro é manter a característica de, assim como no primeiro filme, trazer conceitos criativos para a representação dos processos cognitivos, como a árvore da “consciência de si”, o “Cofre dos Segredos” ou o “Lago do Sarcasmo’. E embora estes sejam conceitos que não estavam presentes no universo mental da protagonista no longa anterior, isso se justifica pelo fato de que a mente da Riley, além de não ter sido explorada por completo, está em constante transformação e desenvolvimento, assim como a de qualquer ser humano. O que também explica o surgimento de novas emoções.

É interessante perceber como tanto este filme como seu antecessor abordam de maneira lúdica e eficiente uma temática de extrema relevância para nosso tempo, a Saúde Mental. As duas obras discutem conteúdos delicados, complexos e sintomáticos do nosso atual modo de vida, que nos impactam psicologicamente, principalmente na juventude. O primeiro longa tinha como temática central a depressão, em especial no contexto da infância, trazendo a importante reflexão de que todas as emoções, por mais incômodas que possam ser, são necessárias para nosso desenvolvimento e amadurecimento psicológico. Mesmo a Tristeza, sentimento tão renegado pela nossa sociedade atual com seu imediatismo e sua imposição de demonstrarmos estar sempre felizes, o que é impossível.

Já DIVERTIDA MENTE 2 discute outro sintoma cada vez mais presente no cotidiano da sociedade contemporânea, a saber, a Ansiedade. Emoção esta que é o foco central do filme. Apresentada a princípio como uma espécie de vilã, o roteiro consegue desenvolver bem a personagem e seus impactos no comportamento da protagonista. Destaque para a cena da crise de ansiedade, a qual pode até gerar gatilhos em pessoas ansiosas. O único equívoco da representação dessa emoção é a associação que o roteiro faz da mesma com o comportamento hiperativo, pois hiperatividade e ansiedade não estão necessariamente interligados.

No entanto, embora apresente uma temática tão importante e rica quanto a do primeiro filme, DIVERTIDA MENTE 2 prefere ficar no lugar seguro e repetir, não apenas a mesma estrutura narrativa do longa anterior, como também a mesma temática e a mesma mensagem. O que acaba por passar para o público a impressão de estarmos assistindo ao mesmo filme de 2015. Além de ser mais expositivo em seus diálogos, repetindo ideias por vezes em excesso.

Por outro lado, essa repetição temática e estrutural também pode ser justificada até certa medida, já que temos a chegada de novas emoções que ainda não passaram pelas mesmas experiências que as emoções básicas, ainda não vivenciaram o aprendizado que estas tiveram no filme anterior. Assim, é compreensível o comportamento impulsivo e inconsequente que essas novas personagens demonstram, principalmente a Ansiedade. Porém, isto ao menos poderia ser conduzido com uma estrutura narrativa diferente, o que não é o caso.

ATENÇÃO: OS PRÓXIMOS DOIS PARÁGRAFOS CONTÉM SPOILERS. SE NÃO VIU O FILME, PULE PARA O ÚLTIMO PARÁGRAFO.

 Nesse sentido, é interessante ver a Alegria colocada como a responsável por solucionar o conflito da trama, já que, no primeiro filme, ela também tinha comportamentos semelhantes aos da Ansiedade (ainda que em menor grau) e precisou vivenciar situações extremas para aprender que sozinha ela não bastava para a Riley, que as demais emoções também eram importantes, em especial a Tristeza, a qual sempre reprimia. Nesse sentido, a Alegria é a personagem ideal para conseguir conter o descontrole da Ansiedade, pois ela se vê na personagem, compreende seu sentimento pois também viveu algo semelhante.

E esse desenvolvimento é algo lindo de se ver, principalmente por ter seu clímax justamente na cena da crise de ansiedade vivenciada pela protagonista, que só cessa quando as emoções conseguem se unir em harmonia, o que é justamente a estratégia psicológica mais eficiente para lidar com tais situações, ou seja, o controle das emoções. A Ansiedade não é uma vilã, ela também possui sua importância em nosso psicológico. O que atrapalha é o excesso, o descontrole das emoções que, nesse caso, pode levar ao que a Psiquiatria chama de Ansiedade Generalizada.

FIM DO SPOILER

 Enfim, DIVERTIDA MENTE 2 é uma bela animação que, embora opte pelo lugar cômodo de repetir a mesma fórmula de seu antecessor, tem qualidades suficientes para superar suas falhas e mostrar-se uma boa sequência. E ter uma obra voltada para o público infanto-juvenil que aborde de modo coerente temas tão importantes na atualidade como a Saúde Mental, em especial a Ansiedade, é algo sempre muito bem-vindo.

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*Psicólogo social, crítico de cinema, militante de esquerda, criador do canal do Youtube e do podcast CINEMA EM MOVIMENTO.

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