DUNA: PARTE DOIS ou como se forja um messias (Crítica)

Por Pablo Rodrigues*

Em DUNA: PARTE DOIS, Paul Atreides (Timothée Chalamet) agora vive junto ao povo Fremen e Chani (Zendaya), com quem está se relacionando amorosamente. Enquanto isso, busca vingança contra os conspiradores que destruíram sua família. Ao mesmo tempo, tenta impedir o futuro que previu, no qual se torna o líder político e espiritual dos Fremen, espalhando uma guerra santa em seu nome pelo universo. Paul terá que escolher entre viver o seu amor ou comandar o destino do universo.

Na época do lançamento de DUNA: PARTE UM (2021), uma das principais críticas ao filme foi com relação à sua “mise en scene” fria, que fazia uso de uma fotografia desaturada e um design de produção monocromático e “sem vida”. Contudo, ao ver esta PARTE 2, a mudança estética salta aos olhos, com o cineasta Dennis Villeneuve juntamente com o diretor de fotografia Greig Fraser criando uma cinematografia muito mais “viva”, abusando de uma paleta de cores quentes, com uma predominância do amarelo e uma construção épica que remete a obras clássicas como LAWRENCE DA ARÁBIA (1962), de David Lean.

Independente se tal mudança estética foi proposital ou fruto das críticas ao filme anterior, o fato é que ela acaba mostrando-se eficiente em refletir visualmente a trajetória do protagonista Paul e sua mudança de perspectiva acerca do planeta Arrakis e de seu povo, expressando a beleza daquele lugar e de seus habitantes, algo que o personagem ainda não era capaz de perceber no primeiro filme.

Esta mudança do protagonista traz à tona também um conteúdo temático que se mostra muito relevante e dialoga com o contexto sócio político contemporâneo. DUNA: PARTE DOIS é uma obra que, dentre outras temáticas, reflete criticamente sobre os perigos do fanatismo religioso e da união perigosa entre política e religião, temas que também estão no livro, porém, ganham ainda mais ênfase no roteiro do filme.

A jornada de Paul não é para se tornar um herói do povo Fremen, mas sim um “messias”, líder de uma “guerra santa”. Por essa razão o personagem busca evitar este destino, pois sabe dos perigos que isso pode trazer. Essa discussão temática mostra-se muito pertinente no nosso contexto sócio-político atual, onde vemos o crescimento e fortalecimento do conservadorismo e do fundamentalismo religioso exercendo influência na política em todo o mundo.

Seja nos conflitos dos países teocráticos do Oriente Médio (que serviram de inspiração para o livro de Duna), ou nos governos de extrema direita nos países ocidentais, o fundamentalismo religioso é sempre um dos principais mecanismos de manutenção do poder desses governos. A exemplo do que temos aqui no Brasil, com uma bancada evangélica cada vez mais forte e influenciando diretamente as decisões políticas em nosso país. Além do atual cenário de retorno do governo Trump nos Estados Unidos e o ressurgimento de grupos neonazistas em diversas partes do mundo.

Além da relevância temática, a jornada de Paul nesta PARTE DOIS é conduzida com muita eficiência por Villeneuve, que faz deste filme um épico de ficção científica de alto nível. Um espetáculo visual e sensorial muito bem dirigido, com sequências de ação bem conduzidas e uma escala grandiosa. Além de desenvolver melhor seus personagens e o universo da trama nos possibilitando conhecer mais sobre Arrakis e seu povo, seus costumes, a dinâmica das relações e dos poderes daquele contexto, demonstrando a riqueza do universo criado por Frank Hebert.

Com relação aos personagens, Timothée Chalamet cresce em sua atuação, indo da insegurança à firmeza de um líder. Porém, é Zendaya quem mostra-se a personagem mais interessante do longa, recebendo um tratamento mais atualizado do roteiro com relação ao livro. Sua Chani é uma mulher mais independente, crítica, que questiona as tradições de seu povo e as decisões de Paul. Ela é a bússola moral do protagonista, é quem percebe o caminho perigoso para onde a jornada do mesmo o levará.

O único ponto negativo do longa é sua decisão em se recusar a ousar. O contexto da trama e sua narrativa possibilitavam que o filme tivesse uma violência mais explícita e também que ousasse mais em sua linguagem cinematográfica, a exemplo da forma como as visões do protagonista são apresentadas, que poderia ter sido de modo mais diferenciado, já que a trama abre espaço para isso. No entanto, nada disso prejudica o resultado final.

Indicado a cinco categorias no Oscar 2025, incluindo Melhor Filme, DUNA: PARTE 2 é um épico como há tempos não víamos no cinema. Um espetáculo cinematográfico de primeira que remete aos grandes épicos de tempos atrás e que ainda consegue, assim como a obra em que se baseia, trazer discussões políticas relevantes para nosso tempo.

Uma adaptação que faz jus à grandiosidade da obra original.

*Psicólogo social, crítico de cinema, militante de esquerda, criador do canal do Youtube e do podcast CINEMA EM MOVIMENTO.

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