Por Felipe de Souza*
“Ratos e Homens” (1939) e “O Espantalho” (1973) são filmes que, além de suas ricas narrativas e personagens complexos, oferecem críticas poderosas à sociedade americana de suas respectivas épocas. Ambos os filmes refletem e questionam as condições econômicas, sociais e políticas que afetaram os mais pobres. Pretendo, através deste breve texto, examinar as implicações políticas dessas obras, destacando como elas abordam questões de desigualdade, poder e sobrevivência.
Em “Ratos e Homens”, dirigido por Lewis Milestone e lançado em 1939, durante a Grande Depressão, um período de profunda crise econômica nos Estados Unidos, a história de George (Burgess Meredith) e Lennie (Lon Chaney Jr.) reflete as dificuldades enfrentadas por milhões de trabalhadores migrantes que lutavam para encontrar emprego e estabilidade. O filme, assim como o romance de Steinbeck, é uma crítica às desigualdades sociais e econômicas da época. Já “O Espantalho” é dirigido por Jerry Schatzberg e estreou em 1973, durante um período de turbulência social e política nos Estados Unidos, incluindo os resquícios do movimento dos direitos civis, a Guerra do Vietnã e uma crescente desilusão com o sonho americano. A narrativa de Max (Gene Hackman) e Lion (Al Pacino) capta o espírito de alienação e desesperança de muitos americanos na década de 1970.
O filme de 1939 retrata a precariedade da vida dos trabalhadores migrantes, evidenciando a falta de oportunidades e a exploração econômica. A visão de um futuro melhor, representada pelo sonho de possuir um pedaço de terra, é constantemente frustrada pelas realidades econômicas opressivas. A obra explora como a crise econômica na década de 30 aumentava a alienação e o desespero. A amizade é um tema central na narrativa. George e Lennie dependem um do outro não apenas para sobreviver, mas também para manter a esperança viva. Essa ênfase na solidariedade humana destaca a necessidade de alianças pessoais em face da adversidade sistêmica. A dinâmica de poder também está presente na relação entre George e Lennie, bem como nas interações com outros personagens, como Curley (Bob Steele) e sua esposa. Lennie, apesar de sua força física, é vulnerável devido à sua deficiência mental, destacando como a sociedade marginaliza aqueles que não se encaixam em suas normas.
Em “O Espantalho”, temos um retrato da desilusão crescente com o sonho americano. Max e Lion representam indivíduos que foram deixados para trás pelo progresso econômico e social, evidenciando a falha do sistema em proporcionar oportunidades iguais para todos. A obra critica a cultura de violência e a definição de masculinidade. Max, endurecido pela vida, e Lion, mais sensível e vulnerável, refletem diferentes respostas à pressão para conformar-se a normas rígidas de comportamento masculino. O filme de 1973 retrata a luta contra a pobreza e a falta de mobilidade social. Os protagonistas enfrentam uma série de barreiras sistêmicas que dificultam sua capacidade de ascender economicamente ou de encontrar estabilidade.
Ambas as obras criticam implicitamente o sistema econômico. “Ratos e Homens” expõe as falhas do capitalismo durante a Grande Depressão, mostrando como a busca por lucro e eficiência econômica desumaniza os trabalhadores. “O Espantalho” continua essa crítica no contexto dos anos 70, ilustrando como a alienação e a desilusão resultam de um sistema que é cruel e incapaz de proporcionar oportunidades iguais. Lennie em “Ratos e Homens” e Lion em “O Espantalho” personificam a vulnerabilidade dos indivíduos que não se encaixam nas normas sociais e econômicas. A deficiência mental de Lennie e a sensibilidade de Lion os tornam alvos fáceis de exploração e violência, ressaltando como a sociedade desumaniza pessoas vulneráveis.
Outro tema que se encontra nos dois filmes é o sonho que mantém os personagens sempre buscando uma vida melhor. George e Lennie desejam ter uma pequena fazenda própria, um símbolo de independência e segurança. Max e Lion, por outro lado, têm uma visão menos concreta, mas igualmente significativa de um futuro próspero em Pittsburgh. Esses sonhos, no entanto, são constantemente frustrados pelas realidades econômicas, refletindo a dificuldade em escapar de suas condições.
A amizade é um tema central nas duas narrativas. George e Lennie dependem um do outro não apenas para sobreviver, mas também para manter a esperança viva. Do mesmo modo, a relação entre Max e Lion é uma fonte de apoio mútuo em um mundo hostil. Essa ênfase na solidariedade humana destaca a necessidade de alianças pessoais em face da desolação sistêmica. A lealdade entre os personagens em meio às adversidades e os pontuais alívios cômicos funcionam como um conforto para os espectadores no meio de tanta desilusão.
“Ratos e Homens” e “O Espantalho” são obras cinematográficas que não apenas oferecem narrativas emocionantes, mas também servem como críticas poderosas às condições econômicas e sociais de suas épocas. Ao explorar temas de desigualdade, poder e sobrevivência, ambos os filmes destacam as falhas sistêmicas que perpetuam a pobreza, oferecendo um olhar crítico sobre a sociedade americana e suas promessas não cumpridas. São filmes que terminam em tons sombrios, refletindo uma visão pessimista do futuro para os marginalizados. O trágico fim dos dois filmes sugere que, independentemente da época, o modo de produção capitalista e suas estruturas de poder e desigualdade continuam a subjugar aqueles que estão na base da hierarquia social.
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*Cinéfilo e Membro do Podcast Cinema em Movimento