28 anos depois, nada aprendemos enquanto humanidade.
Por Leonardo Lima*
Nota: 8,0
Mais de duas décadas se passaram desde o inesperado sucesso que alçou Extermínio ao posto de filme cult, fazendo-o alcançar a rara condição de obra capaz de reorientar a estruturação da mise-en-scène de todo um subgênero cinematográfico – o chamado zombie horror. O diretor Danny Boyle e o roteirista Alex Garland, que não estiveram à frente da sequência Extermínio 2, voltam ao universo pós-apocalíptico que o consagraram com o aguardado Extermínio – A Evolução, diegeticamente encenado 28 anos após os eventos do primeiro longa.
O filme de 2002 tornou-se emblemático ao desafiar o imaginário canônico em torno das assustadoras figuras de comportamento catatônico às quais comumente nos referimos como zumbis. Se no clássico A Noite dos Mortos-Vivos (1968), de George Romero, tais criaturas perambulavam de maneira lenta e trôpega à caça de suas vítimas, o que se vê em Extermínio é algo bastante distinto, uma vez que os chamados infectados expressam uma combinação mortal de velocidade, agilidade e agressividade. De certo modo, essa ressignificação simbolizava o peso das transformações sociais em curso desde o advento da globalização, transformações essas cada vez mais aceleradas e propícias a dominar a agência humana tal como um vírus zumbificante.
Em seu novo longa, Boyle dobra a aposta ao ofertar uma narrativa fundamentada sob uma nova ordem de acontecimentos, em que a ideia de evolução, constante no adequado título em português, funciona como referencial discursivamente ambíguo quanto ao ser e estar no mundo, tanto em relação aos humanos sobreviventes como aos infectados adaptados com resiliência involuntária. Por mais estranho que possa soar, Extermínio – A Evolução expressa, em perfeita metáfora, o fenômeno atual vivido por todos nós desde que a pandemia de Covid-19 foi declarada controlada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Isto é, a despeito das possíveis mutações sofridas pelo vírus e de seu impacto avassalador nas relações humanas mais triviais, pouco ou nada parece ter sido aprendido pela humanidade quanto à necessidade de refundar as bases organizativas da vida em sociedade.
Para contar essa história, são evocados novas personagens, com foco na relação pai e filho envolvendo James (Aaron Taylor-Johnson) e o pré-adolescente Spike (Alfie Williams), bastante crível graças à atuação de ambos os atores, que conseguem equilibrar dramaturgicamente a naturalidade de diálogos em situações de calmaria com a necessidade de explosão corporal, medo e proteção face ao perigo nas cenas mais impactantes. Por sua vez, ancorada nessa relação, mas possuindo um desdobramento narrativo próprio, em especial na segunda metade do longa, está a relação entre o mesmo Spike e sua mãe Isla (Jodie Colmer). Mesmo se transformando em um road movie que visa dar conta do arco da tentativa de cura para a grave doença de Isla, sustentado por decisões irracionais um tanto improváveis naquele contexto, ao menos o lugar ao qual o filme chega dialoga de maneira profunda com o nosso tempo. O melhor de tudo é que o roteiro de Alex Garland faz isso não subestimando as demandas pessoais e coletivas face às dores existenciais, como sugere o emocionante final místico e filosófico em que Ralph Fiennes, interpretando o excêntrico médico Dr. Ian Kelson, rouba a cena.
Em hipótese alguma Extermínio – A Evolução deita-se no berço esplêndido do culto raso a uma franquia. Ao mesmo tempo em que preserva o desenvolvimento de um pano de fundo rico em metáforas, o longa também reconhece a importância de se buscar novas situações narrativas que possam explorar ao máximo a ideia de solapamento das estruturas responsáveis pela manutenção da vida em sociedade. Portanto, trata-se de obra que, em meio ao processo de construção de uma ficcionalidade particular e peculiar, versa muito mais sobre o nosso conturbado mundo do que o de suas personagens, cumprindo, assim, a máxima dos bons filmes de terror/horror quanto a serem úteis para exorcizar os demônios interiores que nos afligem dia após dia.
Título original: 28 Years Later
Direção: Danny Boyle
Ano de lançamento: 2025
País: Reino Unidos e Estados Unidos
Duração: 115 minutos
*Recifense, 40 anos, sociólogo. Antirracista, aliado do feminismo e das causas indígenas e queer, torcedor do Santa Cruz. Crítico de cinema, mantém no Instagram a página Cine Mulholland e um perfil no Letterboxd. Integrante do Podcast Cinema em Movimento e dos sites TemQueVer Cinema e Club do Filme.
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