MANAS e os gritos do silêncio (Crítica)

Por Pablo Rodrigues*– direto do Janela Internacional de Cinema de Recife

Em uma das cenas mais emocionantes de MANAS, longa de abertura do XV JANELA INTERNACIONAL DE CINEMA DO RECIFE, vemos uma mãe dando banho em sua filha de 13 anos, na beira de um rio, após a menina sofrer violência de seu pai. Entre as duas não há diálogo, apenas olhares e um silêncio ensurdecedor, que esconde inúmeras opressões e violências vivenciadas por aquelas duas mulheres.

Primeiro longa de ficção da cineasta pernambucana Marianna Brennand, MANAS lança luz sob uma realidade muitas vezes invisibilizada, a saber, a exploração sexual de crianças nas regiões ribeirinhas do Norte do país, longe dos centros urbanos. A trama acompanha Tielle (Jamilli Correa), uma jovem de 13 anos que vive com a mãe, o pai e três irmãos em uma comunidade ribeirinha da Ilha de Marajó, onde passa a conhecer e vivenciar a exploração e os abusos sexuais contra as mulheres da região, tanto dentro quanto fora de casa.

Em meio ao contexto social e político atual, de crescimento cada vez maior do conservadorismo, amparado pela ideologia fundamentalista religiosa, MANAS mostra-se uma denúncia atual e pertinente, ao escancarar os horrores do patriarcado, com seus “monstros” vindos tanto daqueles que se aproveitam da negligência do Estado em lugares como o retratado na trama (os que exploram sexualmente as crianças e adolescentes nas balsas que passam pela região), quanto da própria “família tradicional cristã” (o pai abusador). Tudo isso nós acompanhamos pelo olhar juvenil de Tielle, sua inocência, bem como a perca dela, suas dores, seu grito silencioso que nos perturba. E a câmera nos coloca ao seu lado a todo momento, junto a ela, dando ao filme um caráter intimista que reforça ainda mais o impacto emocional no público.

Mesmo lidando com temáticas densas e delicadas, Marianna Brennand demonstra segurança e sensibilidade na forma como conduz sua obra, principalmente no que se refere à representação imagética da violência. A diretora acerta ao decidir não espetacularizar tal violência, apostando mais na sugestão do que em explicitar tais atos graficamente, o que acaba sendo ainda mais eficiente para o efeito emocional gerado pelo filme. E a escolha de usar planos mais fechados, somado à cenografia da casa da protagonista, um espaço apertado e escuro, reforçam o sentimento claustrofóbico e opressor vivenciado pela protagonista.

Contudo, o impacto emocional não seria tão eficiente sem o excelente trabalho de direção de elenco. Todos estão muito bem, em especial o elenco infanto-juvenil. Destaque para a revelação Jamilli Correa, que é a força motriz do filme como a protagonista Tielle. A jovem atriz está hipnotizante, conseguindo expressar suas emoções de forma intensa, porém, a partir do olhar e do silêncio. O mesmo vale para Fátima Macedo, que interpreta a mãe da protagonista e rouba a cena sempre que aparece, com seu silêncio incômodo e desconsertante, fruto de uma vida de violências e opressões de sua personagem. Ambas gritam em seus silêncios.

No entanto, o filme enfraquece ao inserir um elemento Investigativo no terço final da trama (inspirado em uma investigação real), que acaba não sendo bem desenvolvido e não trazendo consequências significativas para a narrativa. Porém, o longa consegue se reerguer em seu desfecho, com uma resolução catártico e finalizando com um plano lindo e impactante, que ressignifica o silêncio das personagens, desta vez simbolizando um grito interno de resistência.

Premiado no Festival de Veneza e vencedor do Prêmio da Crítica na Mostra Interncional de Cinema de São Paulo,  MANAS é um filme impactante, que revela opressões por vezes negligenciadas de modo sensível, coerente e cinematograficamente eficiente. Necessário.

*Psicólogo social, crítico de cinema, militante de esquerda, criador do canal do Youtube e do podcast CINEMA EM MOVIMENTO.

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