Memórias de Um Caracol (2024)

Por Felipe de Souza*

Adam Elliot, conhecido por seus filmes de animação em stop-motion que misturam humor ácido com profundidade emocional, como o excelente “Mary e Max” (2009), retorna com “Memórias de um Caracol” (2024), uma obra que consolida sua reputação como um dos grandes contadores de histórias do cinema contemporâneo. O filme, assim como seu trabalho anterior, é uma mistura delicada de melancolia e esperança, explorando temas como solidão, aceitação e a busca por significado em um mundo muitas vezes caótico.

A história segue Grace, uma mulher solitária e colecionadora de caracóis, que vive isolada em uma casa repleta de pequenos bichinhos e memórias do passado. A narrativa é conduzida pela exposição da própria protagonista, que dá ao filme um tom apático propositalmente, como se estivéssemos lendo um conto melancólico. Com sua voz suave e triste, ela nos guia pelos seus pensamentos e sentimentos, dividindo sua história desde a morte de sua mãe no parto, a separação dela e do irmão gêmeo, Gilbert, após a morte do pai, e a morte de sua melhor e única amiga, Pinky.

O roteiro, escrito pelo próprio Elliot, é uma mistura habilidosa de humor e tragédia. Grace é uma personagem complexa, cuja solidão é tocante, mas por vezes gera situações cômicas, em um sentido quase absurdo. Sua obsessão por caracóis, por exemplo, é retratada com uma doçura peculiar, mas também como uma metáfora para sua própria condição: ela se move lentamente pela vida como se nunca saísse do lugar. O filme não tem medo de explorar a dor de Grace, mas também oferece momentos de leveza e até mesmo de alegria.

Um dos aspectos que mais interessante em “Memórias de um Caracol” é sua capacidade de equilibrar o pessoal e o universal. A história de Grace é profundamente íntima, focada em suas pequenas rotinas e em sua luta interna, mas também fala sobre temas universais e atuais, como a necessidade de conexão humana e a dificuldade de superar traumas do passado e o fundamentalismo religioso. O filme não oferece respostas fáceis, mas convida o espectador a refletir.

Apesar de suas qualidades, o humor ácido do filme pode não agradar a todos os espectadores, pois ele não se preocupa em nenhum momento em ser politicamente correto, alguns temas podem trazer gatilhos dependendo do espectador e outra coisa é o ritmo do filme que tem algumas passagens mais lentas que podem ser desafiadoras, especialmente para os espectadores acostumados com vídeos curtos que as redes sociais impõem, e com filmes de animação que valorizam a ação e a velocidade. Mas recomendo para aqueles dispostos a se entregar ao que o filme propõe, pois a experiência é recompensadora.

“Memórias de um Caracol” é uma obra corajosa que não subestima o seu público, um filme que acaba confirmando o nome de Adam Elliot como um dos grandes cineastas da atualidade. Com sua animação por vezes grosseira, uma narrativa emocionalmente rica e personagens únicos, o filme é uma experiência que fica na mente por um bom tempo. Espero ansiosamente pelo próximo trabalho de Elliot.

*Cinéfilo e Membro do Podcast Cinema em Movimento

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