Nova ponte, pesca cooperativa, meio ambiente e cultura: uma carta ao governador do estado do RS

Assunto: Verba custeada pelo executivo estadual e destinada à construção de uma nova ponte entre Imbé e Tramandaí – Dano ao erário mediante a malversação de verbas públicas – Improbidade administrativa

Excelentíssimo Senhor

Eduardo Leite

MD Governador do Estado do Rio Grande do Sul

As entidades abaixo identificadas vêm até Vossa Excelência expor o que segue.

Na data de 05/01/2022 o governo do estado do Rio Grande do Sul assinou convênio para construção de uma nova ponte entre os municípios de Imbé e Tramandaí, obra que – conforme amplamente noticiado pela mídia – deverá custar cerca de R$ 36,5 milhões, sendo R$ 34,07 milhões custeados pelo executivo estadual, além de R$ 385 mil para o anteprojeto e R$ 2,1 milhões para o projeto e estudos ambientais, ambos os aportes pagos pelo município de Imbé.

Diga-se inicialmente, que o gestor público do município de Imbé (que conduz o processo) arvorou-se de uma autoridade soberana que o estado democrático de direito não lhe confere, pois em momento algum promoveu debates, audiências ou consultas públicas para discutir o tema conforme determina o Estatuto da Cidade (Lei 10.257 de 10 de julho de 2001) – o que, em tese, torna nulo o processo desenvolvido até o momento, pois descumpre parte da legislação vigente. Por oportuno referir que um dos princípios da administração pública diz da legalidade, ou seja: do cumprimento da lei.

Audiência publica somente foi efetivada graças a iniciativa de deputado estadual ligado à questão da pesca no litoral, tendo ocorrido na data de 10/08/2022, oportunidade na qual o prefeito de Imbé foi então questionado acerca de alternativa de solução para os problemas viários através da reforma ou reconstrução das pontes atuais – Giuseppe Garibaldi (acrescida da adoção de medidas de engenharia de tráfego no entorno), o que se vislumbra perfeitamente exequível, conforme se constata de uma pesquisa recente em urbanismo realizada pela Faculdade de Arquitetura da UFRGS, apontando a existência de alternativas viárias para a malha rodoviária atual.

Eis o que disse, então, o prefeito de Imbé em tal audiência pública:

… e o terceiro ponto que é os problemas históricos de engarrafamento que as atuais pontes também nos proporcionam. Eu até acredito que não são elas. O estudo que foi feito indica que o trânsito das duas cidades que se construiu na beira do rio, na cabeceira das pontes é que nos proporciona isso e que talvez substituir as pontes atuais nos locais onde estão e não fazer as alterações necessárias no trânsito e na estrutura física da região central de cada uma das cidades não vai resolver o problema do engarrafamento. Faríamos, então, ao meu ver, se fosse no local das atuais um investimento que não iria resolver o problema por completo. O que, se for esta a indicação e a escolha da maioria não vai ter problema. Vamos batalhar, então, que seja ali ou que seja em qualquer lugar. Agora, o problema existe.

Faz-se necessário, então, seja de pronto sustada eventual liberação de verba pelo executivo estadual destinada à construção de nova ponte, sem que antes sejam determinados estudos relativos ao equacionamento da questão viária através da reforma ou reconstrução das pontes atuais (acrescida da adoção de medidas de engenharia de tráfego no entorno) – o que se vislumbra perfeitamente exequível!

Razões (entre outras) que fundamentam o presente pedido:

  • O gestor público do município de Imbé conduz o processo sem observar que inicialmente deveria – antes de lançar-se a promover gastos de verba pública em função de nova ponte – promover estudo acerca de viabilidade de solucionar-se a questão viária através da reforma ou reconstrução das pontes atuais (acrescida da adoção de medidas de engenharia de tráfego no entorno), o que se vislumbra perfeitamente exequível. Não se entende possa permanecer inerte o executivo estadual ante a conduta de seu parceiro – uma conivência ante a ‘colocação da carreta à frente dos bois‘. 

 

  • O local onde se pretende construir uma nova ponte (na barra) é área de risco de inundações, com previsão de que – mesmo numa hipótese mais otimista de elevação do nível do mar – as ruas da região ficarão permanente e substancialmente alagadas num futuro não tão distante, o que – por óbvio – tornara o acesso a tal ponte impraticável. Artigo publicado na Revista Brasileira de Cartografia sob título Inundação Costeira por Elevação do Nível do Mar em Imbé e Tramandaí – RS (Rev. Bras. Cartogr, vol. 72, n. 3, 2020). Disponível em anexo.

 

  • O estudo promovido pela empresa Beck de Souza Engenharia (contratada pela prefeitura de Imbé no processo licitatório) é carente de elementos relativos à mobilidade urbana, inclusive omisso a respeito da possibilidade de erosões e possível destruição das margens e obras da ponte pela velocidade da correnteza, entre outros, conforme parecer de autoria do Engenheiro Henrique Cezar Paz Wittler, mestre em hidrologia, com extenso currículo na área de atuação (disponível em anexo).

 

  • A solução viária junto às pontes atuais é muito menos danosa ao meio ambiente, ao contrário do que ocorreria na construção de uma nova ponte (quer na barra, quer na lagoa) que, se concretizada na barra, colocaria em risco uma somatória de elementos da biodiversidade, inclusive os botos (esses já classificados como em perigo de extinção). Considerações na representação encaminhada ao MPF em fevereiro de 2022 (disponível em anexo).

 

  • Tal solução garantirá a continuidade da pesca cooperativa entre os botos e os pescadores artesanais, evitando-se o risco de prejudicar de forma extrema a atividade profissional de centenas de pescadores – dano que se verificaria caso construída uma nova ponte na barra. Considerações na representação encaminhada ao MPF em fevereiro de 2022 (disponível em anexo)

 

  • Neste momento encontra-se em processo de reconhecimento da Pesca Cooperativa em comento como Bem Cultural de Natureza Imaterial pelo IPHAN, verificando-se que na hipótese de construção de nova ponte na barra a lesão a tal patrimônio cultural restará evidente, observando-se também que no Rio Grande do Sul a Pesca Cooperativa foi recentemente considerada como prática de Relevante Interesse Cultural (Lei Estadual Nº 15.546/2020) e os botos-de-Lahille da barra do rio Tramandaí declarados Patrimônio do município de Imbé desde 1990 (Decreto Nº 049/1990). Considerações na representação encaminhada ao MPF em fevereiro de 2022 (disponível em anexo)

Entende-se ante o supra exposto que em havendo a liberação de verba pelo executivo estadual destinada à construção de nova ponte sem antes promoverem-se estudos a respeito da viabilidade de solucionar-se a questão viária através da reforma ou reconstrução das pontes atuais (acrescida da adoção de medidas de engenharia de tráfego no entorno), caracterizar-se-á dano ao erário mediante a malversação de verbas públicas, geradora de improbidade administrativa, no caso, agravada ante o fato de estar agora ciente o Sr. Governador dos múltiplos malefícios que a construção de uma nova ponte geraria sob os diversos aspectos abordados – e sabedor, também, de que há solução plausível ao equacionamento da questão viária junto à ponte atual.

Atenciosamente,

Associação Comunitária de Imbé – Braço Morto

 Movimento Não à Nova Ponte

 Movimento Luta Ambientalista

 Grupo Comunitário da Alameda dos Eucaliptos- Imbé/RS

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A interação boto, tainha, pescador: amigos de pesca

A Barra do Rio Tramandaí é cenário de uma interação incomum entre duas espécies: botos e seres humanos ajudam-se na captura da tainha. A cooperação entre eles é benéfica para ambos: para o pescador profissional, o peixe pescado é fonte de renda e ajuda no sustento de sua família, enquanto para o boto torna-se mais fácil se alimentar das tainhas que se separam do cardume quando a tarrafa bate na água.

Tanto os botos quanto os pescadores aprenderam a pescar com seus familiares e observando seus companheiros mais experientes. Os botos parecem reconhecer os pescadores que estão lá todos os dias, assim como os pescadores reconhecem os botos que os ajudam e até dão nomes para eles: Geraldona, Coquinho, Rubinha, Lobisomem, entre outros. O conhecimento tradicional desses pescadores é vasto e fundamental para a conservação da sociobiodiversidade do Litoral Norte do Rio Grande do Sul.

A interação boto, tainha, pescador: amigos de pesca é o relato de uma relação bela e surpreendente entre botos, pescadores e tainhas. Essa interação ocorre há gerações, na foz do Rio Tramandaí, um lugar rico em peixes e vida marinha, um espetáculo fruto do encontro da natureza com a cultura da pesca. Essa riqueza, no entanto, está ameaçada pelo tipo de ocupação humana que vem se desenvolvendo na região: poluição das águas, tráfego de barcos, excesso de construções, pesca comercial são fatores que podem extinguir um fenômeno praticamente único no mundo, e que traz, por outro lado, a possibilidade de gerar benefícios e renda para as populações do lugar através da conservação e valorização dessa riqueza.

Direção de cena e finalização – Antônio Ternura, Ieve Holthausen e Sérgio Guidoux

Produção executiva e direção de montagem – André de Oliveira e Julia Aguiar

Trilha – Giancarlo Borba

Coordenação geral – Dilton de Castro

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