Por Felipe de Souza*
O acesso ao cinema, como expressão cultural, não pode ser entendido isoladamente das condições materiais e históricas que estruturam a sociedade. Compreendemos que a cultura, incluindo o cinema, não apenas reflete as relações de produção existentes, mas também serve como um campo de disputa ideológica que pode tanto reforçar quanto desafiar as estruturas de poder estabelecidas.
Na sociedade capitalista, a produção e o consumo de bens culturais são inevitavelmente condicionados pelas relações de classe. O cinema, como mercadoria, é predominantemente produzido, distribuído e exibido por grandes conglomerados que visam o lucro, muitas vezes em detrimento de conteúdos que promovam a reflexão crítica sobre a realidade social. Isso resulta em uma oferta cultural que frequentemente reitera valores da classe dominante e aliena as massas de uma compreensão profunda de suas condições materiais.
O acesso ao cinema é, portanto, desigual. Enquanto as elites têm à disposição uma vasta gama de opções culturais e educativas, a classe trabalhadora muitas vezes se veem limitadas a um cinema que serve aos interesses do capital, sendo privadas de produções que poderiam instigar uma consciência crítica e emancipatória.
A democratização do acesso ao cinema deve ser uma prioridade na agenda política de qualquer pessoa que realmente tenha um compromisso com a criação do poder popular. Isso significa criar condições materiais concretas para que a classe trabalhadora, em particular, tenha acesso a uma variedade de produções cinematográficas que não só entretenham, mas que também eduquem, politizem e fortaleçam nas lutas. Para isso, propomos:
I) Estabelecimento de cinemas populares em bairros periféricos, onde as pessoas possam assistir a filmes gratuitamente ou a preços simbólicos. Estes espaços devem ser geridos democraticamente, com participação direta das comunidades locais na curadoria das programações.
II) Fomento à produção cinematográfica local que reflita as realidades, desafios e lutas da classe trabalhadora. A criação de fundos municipais e parcerias com instituições de ensino, pré-vestibular comunitário e coletivos culturais deve apoiar cineastas independentes que abordem temas relevantes para as comunidades.
III) Implementação de programas educativos nas escolas e centros culturais que ensinam a linguagem cinematográfica e incentivem a análise crítica dos filmes. Estes programas devem enfatizar a história do cinema, especialmente das produções que abordam questões sociais e políticas sob uma perspectiva progressista, preparando o público para atuar de forma consciente.
IV) Promoção de debates e fóruns após as exibições de filmes, onde os espectadores possam discutir coletivamente as questões levantadas pelos filmes, relacionando-as com suas próprias experiências de vida e lutas cotidianas.
V) Além do cinema, é fundamental que a política municipal valorize e promova outras formas de cultura popular, como o teatro, a música e a literatura, garantindo que estas expressões estejam acessíveis a todas as camadas da população e não apenas às elites culturais. A valorização da cultura popular é essencial para a criação e fortalecimento do poder popular.
O cinema, enquanto manifestação cultural, possui um imenso potencial transformador. No entanto, para que este potencial seja realizado em favor da classe trabalhadora, é necessário que o acesso ao cinema seja democratizado e que sua produção e distribuição estejam alinhadas com os seus interesses. Somente assim, através de uma política cultural que reconheça e combata as desigualdades materiais e ideológicas, e que promova a criação do poder popular, poderemos construir uma sociedade onde a cultura não seja apenas um reflexo das relações de poder dominantes, mas um instrumento de emancipação coletiva.
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*Cinéfilo e Membro do Podcast Cinema em Movimento