O Racismo Intolerante e o discurso colonialista para inviabilizar as resistências

Por Álvaro Nicotti*

Colaboração de Claudio Nicotti**

No inicio deste ano de 2023, veio à tona mais um caso de uso de mão de obra em condições semelhantes à escravidão. Desta vez, por parte de três produtoras de vinhos e sucos de uva, da região da Serra do Rio grande do Sul. Segundo uma reportagem no G1, 207 pessoas foram contratadas por uma empresa que oferecia a mão de obra para vinícolas da região, durante a colheita da uva. Eles eram mantidos “em situação degradante”, sob ameaça e agredidos com choques elétricos e spray de pimenta, além de sofrerem espancamentos.

Sou brasileiro, gaúcho e confesso: se ser gaúcho é vomitar racismo, xenofobia e intolerância, me terão como crítico e opositor. Sou do time do amor, da fraternidade, do respeito ao próximo, seja ele o que for. Não passo a mão por cima de atitudes preconceituosas, ilegais e intolerantes.

Mas toda semana vem do Sul alguma manifestação que nos envergonha.

É minoria? Até pode ser, mas é inadmissível não termos uma reação de grande magnitude do comando dos 3 poderes do Estado, de toda sociedade civil organizada e de toda mídia condenando e pedindo desculpas aos povos atingidos por esses gaúchos marginais.
Devemos ser os primeiros a denunciar e repudiar essas manifestações racistas. O Rio Grande do Sul não sai ileso nesses acontecimentos revoltantes. Esse tipo de gente “gaúcha” não difere em nada daqueles que atentaram contra o povo Yanomami.

Contudo, devemos ter cuidado na hora de generalizar o contradiscurso de que o Sul é uma região racista, fascista e conservadora. Obviamente, quando temos diversos casos recorrentes de racismo e outras atitudes discriminatórias criminosas, por parte de determinados grupos e pessoas, é absolutamente compreensível a revolta e até mesmo o sentimento de ódio, que se ergue por parte de quem é atingido.

Assim, é importante aqui resgatar, um pouco da ideia do significado e da influência na nossa sociedade brasileira do discurso generalista colonialista. Quando ouvimos, por exemplo, de que desde que os portugueses chegaram aqui, os indígenas foram dizimados, faz com que estes indígenas se diminuam ou até se tornem invisíveis perante a todos nós, quando se trata de sua luta. Os indígenas não foram dizimados; eles estão aí resistindo e lutando de norte a sul contra o povo da mercadoria, que insiste em acabar com os recursos naturais de nosso país e jogar milhões de pessoas na miséria.

O mesmo se dá quando o discurso para com o sul, de que o mesmo é racista e conservador, se torna generalista, ou seja, um discurso colonialista. Quando ele se configura desta forma, abafamos e inviabilizamos toda a forma de resistência local. Se faz com que muitos feitos sulistas de resistência sejam jogados no ostracismo, como ao qual esta direita raivosa destiladora de preconceitos quer.

Não podemos levar para o esquecimento o fato de o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) ter nascido no Sul do país. Não podemos esquecer que Porto Alegre é a capital com o maior número  de quilombos urbanos. Não podemos esquecer que esta capital abrigou diversas edições do Fórum Social Mundial para contrapor o Fórum Econômico de Davos. Não podemos esquecer que foi, ainda em Porto Alegre, que tivemos a primeira sequência de governos progressistas em uma capital, pós ditadura, ao qual se implementou o passe livre nos ônibus e o Orçamento participativo.

Temos e devemos que combater de forma ferrenhas esse racismo mentecapto, burro, criminoso e nojento, mas sem inviabilizar quem localmente combate essa praga nesses campos históricos sulistas.

O TemQueVer não se abstém da discussão e condena toda e qualquer forma de preconceito e crime discriminatório.

A seguir, indicamos um excelente documentário produzido no Rio Grande do Sul.

Cavalo de Santo

O filme apresenta o complexo das religiões afro-gaúchas destacando o Batuque, a Umbanda e a Quimbanda com suas características e peculiaridades regionais. A obra conta com a participação de nomes importantes da ancestralidade religiosa afro-brasileira no Rio Grande do Sul e depoimentos de antropólogos e sociólogos. Também aborda a história e a formação das religiões, o racismo, a intolerância religiosa no RS e as diversas formas de luta do povo de religião para preservarem seus cultos e manterem a sua fé. A direção é de Mirian Fichtner.

O longa destaca que os Censos Demográficos de 2000 e 2010 apontaram o Rio Grande do Sul como o estado com maior número de terreiros e de fiéis declarados pertencentes a este segmento religioso, proporcionalmente à população. Além disso, um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) elaborado em 2011 apontou Porto Alegre como a capital das religiões afro.

*Professor da rede pública e pesquisador

**Advogado e líder comunitário

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