O Retorno de Vassily Bortnikov (1953)

Por Felipe de Souza*

A história de Vassily Bortnikov (Sergei Lukyanov), um soldado que retorna à sua aldeia após ser dado como desaparecido durante a GUERRA CIVIL RUSSA (de 1918 até 1923) e ao chegar encontra a sua esposa casada com outro homem, serve como uma oportunidade de Vsevolod Pudovkin construir um microcosmo com complexas reflexões sobre as dinâmicas sociais e políticas desse período crucial, mostrando as transformações que a União Soviética estava passando para a construção de uma sociedade socialista.

O filme é um clássico exemplar da estética que ficou conhecida como Realismo Socialista, movimento artístico promovido pelo governo soviético, que buscava retratar a realidade da vida no socialismo de forma a exaltar os valores do coletivismo, do progresso social e do heroísmo proletário. “O Retorno de Vassily Bortnikov” talvez seja o filme que melhor traz essas características; o filme mostra a importância da construção coletiva e o salto qualitativo na consciência dos indivíduos.

A jornada de Bortnikov e o retorno para sua família e os kolkhozes (Fazendas coletivas) que dirigia representa não apenas o retorno físico à sua aldeia, mas também a tentativa de reintegrar-se a um tecido social transformado pelas experiências do projeto socialista. As cenas que mostram o trabalho conjunto nos campos e as reuniões do soviete local sublinham a continuidade do esforço coletivo necessário para a construção da sociedade futura.

“O Retorno de Vassily Bortnikov” é assumidamente feito para apresentar as ideias comunistas, mas ele também contém uma crítica à visão de mundo limitada de Bortnikov. O protagonista encontra dificuldades para se adaptar às novas realidades do período pós-guerra civil e ainda traz muitos preconceitos e valores machistas passados de pai para filho. Isso faz dele um personagem mais complexo. Mas não só o protagonista é bem desenvolvido, o mesmo acontece com os demais personagens, cada um representando diferentes facetas da vida nas fazendas coletivas. Avdotya (Natalya Medvedeva), esposa de Bortnikov, por exemplo, não é apenas um contraponto na narrativa, mas possui uma trama própria significativa onde descobre seu potencial científico e intelectual, rompendo com as expectativas tradicionais de gênero. Essa complexidade não apenas enriquece a representação das mulheres na sociedade soviética, mas também contribui para a crítica social sobre as estruturas patriarcais e a luta por igualdade de oportunidades.

Vsevolod Pudovkin conta com o grande fotógrafo Sergey Urusevsky, que utiliza uma cinematografia realista e emotiva para transmitir a dureza e a beleza da vida rural soviética. A escolha de cenários naturais e a atenção aos detalhes do cotidiano rural criam uma atmosfera autêntica e envolvente, características fundamentais do Realismo Socialista. Esta abordagem estética não só engrandece a vida no campo, mas também serve para ilustrar os desafios enfrentados pelo protagonista e sua comunidade.

Os traumas da Grande Guerra Patriótica e a vitória heroica do povo soviético, de certa forma, podem servir como analogia representado pelo arco narrativo vivido pelo protagonista. Ainda não fazia 10 anos que a União Soviética havia derrotado a besta nazista. Bortnikov é um personagem que representa a luta interna de muitos que viveram aquele período e este é o principal imperativo do Realismo Socialista, que promovia a superação das adversidades históricas em prol do progresso coletivo.

“O Retorno de Vassily Bortnikov” é uma obra que não apenas celebra os valores do coletivismo e do esforço comunitário na contrução do socialismo, mas também oferece uma reflexão crítica sobre os desafios e contradições desse período. Através de uma narrativa rica, personagens complexos e uma estética realista, Pudovkin nos oferece uma visão profunda e humanizada da União Soviética pós-guerra civil, enquadrando-se perfeitamente nos ideais e na estética do Realismo Socialista. Este movimento cinematográfico não apenas buscava retratar a realidade socialista, mas também influenciar e educar o público sobre os valores e as aspirações da nova sociedade, destacando a importância da arte como ferramenta de transformação social.

Direção: Vsevolod Pudovkin

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*Cinéfilo e Membro do Podcast Cinema em Movimento

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