O Último Pub

Em sua despedida, Ken Loach dobra a aposta quanto à primazia dos valores humanistas num mundo globalizado

Por Leonardo Lima*

O empenho e o entusiasmo de Ken Loach para filmar parecem não ter fim. Conhecido por obras que retratam, de maneira naturalista, a dura realidade de homens e mulheres que integram a classe trabalhadora, o longevo cineasta britânico também possui um senso crítico fora do comum, conseguindo ir muito além de uma mera abordagem homogeneizante sustentada na dicotomia burguesia versus proletariado do marxismo clássico. Antes, ele prefere lidar com narrativas que permitam vir à tona um olhar mais intimista sobre seus personagens, situando-os tanto em relação a si próprios, seu passado e suas agruras, como, também, frente às condições objetivas de existência compartilhadas por esses indivíduos, enquanto proletários, no âmago do modo de produção capitalista na contemporaneidade, 

O Último Pub, anunciado como o derradeiro projeto da carreira de Loach, não apenas retoma esse pano de fundo social, mas expande o escopo de sua “investigação imagética” envolvendo a vivência cotidiana do proletariado inglês ao se debruçar sobre os impactos da crescente chegada de estrangeiros refugiados ao país nos últimos anos – no caso, mais especificamente, dos sírios que escaparam das atrocidades cometidas pelo regime do presidente Bashar al-Assad.

Não demora muito para sentirmos a dimensão da tensão social que o diretor deseja trazer ao público. Por meio de um uso eficiente de fotografias estáticas, somos jogados convulsivamente em meio aos conflitos entre os moradores de uma pequena cidade ao norte da Inglaterra – simbolizados por um jovem homem trajando a camisa do Newcastle United, tradicional clube de futebol da região – e os novos moradores sírios que chegam num ônibus, cujo protagonismo cabe à jovem Yara (Ebla Mari). 

O que se sucede é um show de horrores revelador da pior faceta dos antigos moradores daquele local, outrora uma importante e próspera cidade graças à mineração. Ironicamente – se é possível dizer isso – tal indignação eivada de xenofobia e intolerância religiosa ganha contornos de pérfida contradição, uma vez que aquelas pessoas vivem numa região historicamente mais pobre e desigual (tal como o Nordeste brasileiro, ou, ainda, o Mezzogiorno italiano), e, por isso mesmo, acabam sendo menosprezadas e estigmatizadas pelo restante do país.  

A exceção fica por conta de Mr. Ballantyne (Dave Turner), dono do pub The Old Oak, uma voz solitária na maneira como se posiciona a respeito da situação dos imigrantes instalados na cidade. Definitivamente, trata-se de um personagem que, por meio de sua práxis, carrega consigo um manifesto de cultivo da empatia e da acolhida fraterna, em especial daqueles mais necessitados, sejam mineiros em greve coletiva, sejam estrangeiros que buscam recomeçar a vida após terem visto a morte de perto em sua própria terra natal.

É inegável a força da história aqui contada, enfatizando o quão fundamental e necessária é a primazia dos valores humanistas num mundo globalizado. No entanto, em termos de desenvolvimento narrativo, O Último Pub não consegue amarrar suficientemente bem os vários flancos de encenação abertos, impedindo, assim, uma fluidez orgânica com relação ao encadeamento de acontecimentos dentro e fora do bar de Ballantyne. Isso fica mais evidente no desfecho do longa, marcado por uma artificialidade emotiva que vai na contramão do estado de coisas estabelecido até aquele momento. 

Portanto, ainda que bem intencionado ao buscar nos proporcionar um final esperançoso frente à cruel realidade vivida tanto por proletários como por imigrantes nos dias atuais, Ken Loach acaba pecando ao tomar atalhos que lhes possibilitasse conduzir o filme àquela conclusão. Ainda que desejemos abrir mão das nuances de um fenômeno social qualquer ao transportá-lo para a dimensão da linguagem cinematográfica, torna-se imprescindível fazer isso levando-se em consideração, também, a complexidade da práxis dos indivíduos e coletividades no mundo real. Ao não fazer isso, o diretor termina por enfraquecer o impacto das situações-dilema postas para confrontar os personagens com a realidade que os cerca.

De todo modo, O Último Pub se coloca como uma despedida minimamente à altura do legado cinematográfico de mais de 50 anos deixado por ele, registrando para sempre o seu nome como um dos maiores cineastas britânicos de todos os tempos.

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*Recifense, 38 anos, sociólogo pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), aliado do feminismo e do movimento LGBTQIAP+, antirracista e torcedor do Santa Cruz. Crítico de cinema, mantenho no Instagram a página Cine Mulholland e um perfil na rede social cinéfila Letterboxd. Também sou integrante do Podcast Cinema em Movimento e do site Urge!

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