O Último Pub

Por Felipe de Souza*

Ken Loach, cineasta conhecido por seu comprometimento com temas sociais e políticos, volta ao centro das discussões contemporâneas com “O Último Pub” de 2023. O filme narra a história de uma pequena vila no nordeste da Inglaterra, devastada pela desindustrialização, onde uma onda de refugiados sírios chega, aumentando as tensões em uma comunidade já desintegrada. O título original faz referência ao pub local, The Old Oak, um símbolo do que a comunidade já foi, mas também do que está se perdendo sob as pressões econômicas.

O filme é fiel ao estilo de Loach, utiliza uma narrativa realista, carregada de tensão social, para abordar as complexidades da vida no capitalismo contemporâneo. O protagonista, TJ Ballantyne (Dave Turner), é o dono do pub, lutando para manter o local funcionando enquanto a comunidade ao redor se fragmenta. A chegada dos refugiados provoca confrontos e revela as fissuras raciais, culturais e econômicas entre os habitantes locais.  A relação que TJ desenvolve com Yara (Ebla Mari), uma jovem refugiada síria, aponta para a possibilidade de conexão entre diferentes culturas e povos, unificados por uma luta comum contra a pobreza e a exploração.

Como sempre, Loach se concentra no impacto humano das crises sociais, explorando as complexidade das reações humanas frente à crise. Ao focar em personagens como TJ, que se encontra entre a lealdade aos seus vizinhos e sua consciência humanista, Loach nos mostra que o problema central não é a presença dos refugiados, mas sim as consequências do capitalismo tardio, que transforma pessoas vulneráveis em rivais em uma luta por escassos recursos. A cena em que TJ abre as portas da cozinha do seu pub aos refugiados funciona como um microcosmo do debate global sobre a imigração e a solidariedade de classe. O pub se torna um espaço de luta pela sobrevivência, tanto para os refugiados quanto para os locais, e o filme explora como a solidariedade pode ser reconstruída.

“O Último Pub” é uma obra que retrata com maestria a decadência das pequenas comunidades trabalhadoras na Inglaterra pós-industrial. O vilarejo é uma vítima da desindustrialização, as fábricas que empregavam a população local foram fechadas, levando a um aumento da pobreza, ao desemprego crônico e à alienação. O pub, que antes era um centro social da comunidade, está agora quase vazio, um símbolo do declínio das interações sociais e dos laços comunitários, características frequentes no neoliberalismo, onde até mesmo a socialização é fragmentada e comercializada.

Loach é assertivo em ilustrar o impacto devastador das políticas neoliberais sobre as comunidades da classe trabalhadora, examinando o aspecto psicológico e cultural do capitalismo, onde a luta de classes parece ter sido substituída pela gestão individual do fracasso e do sofrimento, neste ponto o filme caminha junto com a crítica de Mark Fisher, no seu livro Realismo Capitalista. Ele conecta o declínio da resistência coletiva, como a que foi simbolizada pela greve dos mineiros (1984 à 1985), com o advento de um senso de inevitabilidade do capitalismo. A greve dos mineiros representa uma das últimas grandes tentativas de desafiar o sistema econômico dominante na Inglaterra, e o sua derrota sinalizou a crescente hegemonia do capitalismo, que Fisher explora no seu livro.

A greve dos mineiros nos anos 80 foi um dos eventos mais marcantes da história recente do Reino Unido, ocorrendo durante o governo de Margaret Thatcher. O conflito foi entre o Sindicato Nacional dos Mineiros e o governo britânico, que visava fechar minas de carvão “não rentáveis” como parte de um esforço para enfraquecer o poder dos sindicatos. Essa greve foi um momento chave na desindustrialização do Reino Unido e no avanço do neoliberalismo. A derrota da greve, resultou no fechamento de minas e na devastação de comunidades mineiras, é frequentemente visto como um símbolo do enfraquecimento da classe trabalhadora organizada ao neoliberalismo. O assolamento da greve e seus impactos está presente em cada frame do filme, Ken Loach sabe muito bem fazer uso da decadencia visivel da comunidade que está retratando.

Apesar do peso trágico que o filme carrega,” O Útimo Pub” também oferece um vislumbre de esperança. Loach, sugere que, mesmo em meio à adversidade, a solidariedade pode ser construída, ele mostra durante o filme que essa construção não vem sem dificuldades, mas enfatiza que é somente através da união dos oprimidos que a resistência ao sistema pode ser alcançada. O filme nos lembra que, apesar das divisões aparentes, a verdadeira força reside na união entre os marginalizados, independentemente de sua origem, e na luta coletiva contra as forças opressivas que alimentam as desigualdades, pois como já escreveram Engels e Marx em O Manifesto do Partido Comunista de 1848: “Trabalhadores do mundo, uni-vos!”.

DIREÇÃO: Ken Loach

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*Cinéfilo e Membro do Podcast Cinema em Movimento

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