Por Sthefaniy Henriques*
É sempre muito interessante ver como mudanças geográficas (de país, principalmente) refletem na arte do artista migrado. O exílio, o refúgio ou a mudança não-forçada, geralmente, forçam que cineastas que querem continuar sua profissão, precisem se adaptar à linguagem ou ao molde predominante, o jeito de fazer cinema naquele lugar no qual se assenta. A sua arte, porém, não será totalmente moldada a partir do cinema que precisa fazer naquele país, o diretor também pode trazer elementos de seu cinema nacional. Um exemplo disso é o diretor grego Yorgos Lanthimos, que adaptou a estranheza e frieza da Estranha Onda Grega ao ‘‘quadradão’’ cinema britânico.
Em Salamandra, no entanto, observamos uma movimentação oposta e que parece buscar uma nova identidade, uma nova nacionalidade. Alex Carvalho, nascido em Pernambuco e com cidadania britânica, retorna ao Brasil vinte e dois anos depois para gravar Salamandra. Ele não segue os moldes do cinema brasileiro, porém também não aplica as conveniências do cinema britânico. Considerando que Salamandra é uma adaptação do livro homônimo de Jean-Christophe Rufin, que registra a chegada de Catherine, uma francesa que passou anos cuidando do seu pai idoso, no Brasil, Carvalho vai direto a fonte: Ele usa abordagens do cinema francês num filme ambientado totalmente em solo brasileiro.
Levando em conta que o longa demorou dez anos para ser realizado, é visível o esforço de Carvalho em trazer uma pegada do cinema francês para Salamandra. O filme, mesmo no calor simpático do Brasil, é cru e exibe ardor, paixão, sexo, luto e conflitos de classe. Carvalho não teme a nudez e muito menos a exposição da dualidade de seus personagens. Os protagonistas, Catherine (Marina Foïs) e Gilberto (Maicon Rodrigues), são figuras cujos objetivos e interesses são nebulosos. Assim, em diversos momentos, Salamandra faz o espectador duvidar dos interesses de ambos naquela relação, interesses que vão gradualmente se afunilando.
Quando Catherine se apaixona por Gilberto, ela é levada a uma jornada desconhecida, que se torna mais estranha a cada dia. No entanto, o maior ‘‘pecado’’ de Salamandra está justamente na construção dessa jornada até a descoberta. Carvalho tenta criar um suspense, uma “pulga atrás da orelha”, enquanto nos apresenta Catherine e Gil imersos em um romance que, aos poucos, vai se tornando irracional. Assim, eu noto que existe uma disparidade entre romance e suspense.
Carvalho tenta criar desconfiança e construir suspense, mas não consegue ser tão sutil quanto provavelmente desejava. Desde as conversas na casa de shows, sabemos que há algo errado com Gil. No entanto, como Carvalho falha na sutileza e volta a focar quase totalmente no romance, quando finalmente ocorre a virada na produção, algo soa estranho e errado.
Fica claro que era óbvio que chegaríamos naquele momento, onde sabemos o motivo de tanta desconfiança em torno de Gil. Porém, quando Catherine se depara com algo inesperado, o filme parece se transformar em outra coisa. Isso se deve ao fato de o filme estar mais interessado no romance, em duas almas conturbadas se encontrando. Assim, tudo que Gil fez antes soa como um momento em que o plot precisa ser recapitulado e explicado para o espectador. E, uma vez que ocorre a descoberta, Carvalho não consegue lidar com o que tem em mãos, perdendo o controle de seu próprio filme. O suspense em Salamandra parece surgir de algo desleixado, visto que seus personagens perdem suas personalidades e o longa segue por uma sequência interminável de clichês do gênero, desde a explícita e desesperada co-dependência de Catherine até sua atitude mais drástica.
Salamandra tinha tudo para ser um ótimo filme, mas tudo que vem após a descoberta compromete o até então excelente trabalho de Carvalho. Faltou mais experiência ao diretor para lidar com as nuances de um suspense e mais originalidade nos momentos finais. Se ele evitou o clichê em boa parte da produção, este mesmo deveria ter sido evitado também no final.
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*Formada em História pela Universidade Federal Fluminense e crítica de cinema. Por meio da página E O Cinema Levou (@eocinemalevou) no Instagram, discute a relação da História com o Cinema a partir de filmes.