Sentimento em Magnólia

Por Álvaro Nicotti*

(Com spoiler)

Resolvi rever alguns filmes do Paul Thomas Anderson (PTA). Devido aos percalços do momento (final de bimestre na escola e outras coisitas mais) acabei levando um certo tempo para conseguir assistir aos que eu queria. E ainda faltam alguns.

Mas desta vez foi o maravilhoso filme Magnólia.

Como os filmes mexem de acordo com o tempo, situação e maturidade ao qual a pessoa se encontra no momento em que aprecia a película!

Falo isso, pois estou atrás da descrição do sentimento que tive na última cena! E afirmo que não foi nada parecido de quando vi pela primeira vez. Até porque o que me ficou gravado na primeira vez foram a chuva de sapo, o menino mijado no programa de auditório e as duas belíssimas músicas do Supertramp.

Mas voltando: que cena linda a última! Que canção (Save Me, da Aimee Lee); que momento harmonioso entre a situação de “fundo de poço” com a de uma “luz no final do túnel”, vindo de uma voz serena e suave de um homem comum, que nos remete ao sentimento de esperança e valor à vida. Já escutei a música várias vezes no meu fone de ouvido andando de um lado para o outro, com meu café na mão.

Contudo, antes de focar nesta cena maravilhosa, vamos falar um pouco deste filme que, pra mim, é o melhor do Paul Thomas Anderson junto com Sangue Negro. Um drama psicológico que traz diversas personagens que, com o passar da história, vão enchendo uma banheira de sentimento até a mesma transbordar. Mas por que isso?

Penso que todos os sujeitos envolvidos na trama sofrem de distúrbios ocasionados pelo flagelo social que todos nós, ocidentais, sofremos: o flagelo da correria, da competição, da meritocracia, da melancolia, da falta de autoestima, da ansiedade, da solidão e da depressão aos quais, geralmente, o capitalismo consumista nos impõe.

Acontece que o drama vai mais além, pois sistemas econômicos, por mais cruéis que sejam ou por mais perfeitos que nos possam parecer, não explicam a mentira, ódio, raiva e amor, sentimentos transcendentes á explicações sócio econômicas.

Todo esse conjunto complexo para definir as personagens e a trama são reflexos do comportamento das mesmas. Olhem Frank Mackey (Tom Cruise)! Um homem estereótipo do macho escroto pegador; percebam Linda Partride (Julianne Moore), uma mulher sedenta por dinheiro que casa com um cara mais velho do que ela e que, para suprir seu coração vazio de amor, transa com outros homens ao ponto de se arrepender no final da vida do velho marido; mas o velho marido também não é flor que se cheire. Earl (Jason Robards), pai de Frank, traía sua falecida esposa ao ponto de gerar um ódio eterno no filho, que o abandonou. Mas não paramos por aí: Jimmy Gator (Thomas Jane) também era um adúltero e, para piorar sua reputação, um pai molestador de menininhas. Menininha essa que irá crescer e apresentar os mais profundo problemas psicológicos, mas que irá também protagonizar a cena mais linda, já citada, com o policial Jim Kurring (John C. Reilly), talvez o mais sensato de todos eles.

O filme se inicia com a impressão de que todos têm suas vidas normais e controladas, por mais imoral que ela sejam. A impressão que me dá é que a intensão aqui é mostrar que, num primeiro olhar, ninguém tem problema. Mas, como rapidamente já descrito, todos apresentam sérios problemas. E estes problemas vão aparecendo e aumentando cada vez mais que sabemos sobre eles. O resultado é que todos, com exceção do policial Jim e do menino que compete em um programa de criança prodígio, usam alguma substância que alterem o seu comportamento.

Mas voltando a cena final, que me tocou demais desta vez em que assisti ao filme. Ela me tocou demais pois, quando da primeira vez que assisti, penso que não tinha maturidade o suficiente para entender o significado das palavras de Jim, palavras de esperança, de amor racional e de quem se importa de verdade com alguém. Junta isso com a música linda da Aimee Mann (Save me) reforçando o pedido de socorro da menininha, que havia sido abusada pelo pai e que se tornara escrava das drogas, você tem algo lindo pra caramba.

Pode ser que esse sentimento ainda esteja relacionado ao momento em que me encontro comigo mesmo, com os que me cercam, em relação ao meu país e ao mundo. Na primeira vez em que assisti o filme tinha 24 anos, o presidente Lula era recém reeleito e meu time do coração conquistava o mundo. Porém, neste momento em que escrevo, um fascista miliciano governa meu país e meu time, não faz muito, havia caído pela primeira vez para a segunda divisão do campeonato brasileiro.

Enfim, achei muito interessante compartilhar esse meu sentimento e essas minhas impressões acerca do filme Magnólia, um filme de grande repercussão na crítica cinematográfica e que merece a sua atenção.

Confira abaixo a última cena e algumas canções que fazem parte do filme.

Save me, música de Aimee Mann:

Goodbye stranger, Supertramp:

Julho de 2022

Disponível na HBOMax

*Professor, pesquisador e colaborador do TemQueVer

Comente