Trilha Sonora para Um Golpe de Estado

Por Sthefaniy Henriques*

Recentemente, ao divulgar o filme brasileiro Ainda Estou Aqui nos Estados Unidos, Fernanda Torres incluiu as ditaduras ocorridas nas Américas como um desencadeamento da Guerra Fria. Particularmente, eu achei sensacional tal abordagem, afinal, as ditaduras ocorridas em solo latino são definitivamente desencadeamentos da Guerra Fria, mas alguns fatores contribuem para essa não-associação dos eventos históricos. Saindo das Américas para a África, notamos a forte influência da Guerra Fria no contexto de independências e descolonização. Nesse último caso, noto que é mais comum a associação entre Guerra Fria e Continente Africano, principalmente pelo fato de que as grandes potências não precisaram camuflar seus interesses e ações no continente.

Neste contexto, Trilha Sonora para Um Golpe de Estado apresenta um destrinchamento que pode ser mais incomum para aqueles que, na escola, não receberam mais que uma história geral da África, sem aprofundamento em uma nação ou etnia. O filme de Johan Grimonprez se aprofunda na história contemporânea do Congo, sua independência através de influências pan-africanistas e de seu primeiro ministro,  Patrice Lumumba (1960). A ótica, no entanto, vem do exterior. Grimonprez, ao falar dos acontecimentos no Congo, evidencia a briga ideológica entre Estados Unidos e União Soviética, a resistência Belga, a implementação do soft power estadunidense e, sobretudo, a utilização de seus artistas negros (como Louis Armstrong) como um cavalo de troia para espionagem da CIA e interferência de seus agentes em questões políticas locais.

Para conseguir desenvolver essa abordagem, Grimonprez recupera depoimentos de nomes musicais como Nina Simone e Louis Armstrong, mas também imagens, áudios e vídeos de arquivo. Em resumo, Trilha Sonora para Um Golpe de Estado é essencialmente um filme de recuperação de diversas formas de fonte histórica, postas em tela, em forma fílmica, para nos contar sobre mais um, em meio a tantos capítulos dramáticos, causados pela Guerra Fria. Nisso, o filme se adequa ao que Bill Nichols chamou de documentário de domínio judicial ou histórico, uma vez que o passado é colocado no banco de testemunhada, ‘‘(…) para contar sua história sobre o que aconteceu, enquanto nós, leitores ou espectadores, assistimos, observando o ponto de vista ou a linha de argumentação do historiador conforme fazemos nosso julgamento’’.

Apesar da temática e dos valiosos registros utilizados, Trilha Sonora para Um Golpe de Estado remete a Summer of Soul (2021) e eu acho que tais similaridades não são apenas uma mera coincidência, especialmente considerando que Trilha Sonora para Um Golpe de Estado segue um caminho semelhante ao do vencedor do Oscar de Melhor Documentário em 2022, categoria na qual agora concorre em 2025. Não sugiro que o filme busca replicar uma fórmula de sucesso, mas certas semelhanças na abordagem me parecem suspeitas. Meu principal ponto está na estilização, enquanto Summer of Soul se apoia em um rico material que, por si só, apresenta uma estética única, Trilha Sonora para Um Golpe de Estado enfrenta limitações impostas pelas próprias restrições de suas fontes. Assim, a tentativa de unir música a empoderamento e tragédias, assim como Summer Of Soul fez, nesse filme me parece murro em ponta faca, ou seja, insistir em algo que claramente perde seu impacto inicial depois de alguns minutos de rodagem.

Sem conseguir se livrar das amarras que o próprio documentário impôs, a história super interessante do revolucionário Patrice Lumumba e de mais um golpe nefasto no continente africano perde sua força. Se torna repetitivo e cansativo por consequência da limitação. As imagens e relatos, algo tão vital para mantermos como fonte para o fazer histórico, se torna algo parecido como um vídeo de simulação do que é falado, uma sequência de imagens que ninguém quer mais prestar atenção.

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*Formada em História pela Universidade Federal Fluminense e crítica de cinema. Por meio da página E O Cinema Levou (@eocinemalevou) no Instagram, discute a relação da História com o Cinema a partir de filmes.

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