Um clube de Futebol, Sua Torcida e a História

Por Álvaro Nicotti*

Quem tem mais de 30 anos sabe que certas narrativas são pura bobagem. Nos anos 1990, quando os ingressos eram acessíveis e o povo ainda lotava os estádios, os GRENAIS eram de outra forma: as torcidas saíam juntas e, nesse contexto, a do Internacional sempre foi majoritária. Os gremistas, não raro, apanhavam na saída — algo lamentável. Foi nesse cenário que nasceu a “Geral do Grêmio”: um jeito de se defender e torcer, se deslocando em bandos, como cardumes de tainha tentando escapar dos botos. Mas tainhas que, juntas, se comportavam como falanges fascistas.

No Rio, a história também merece revisão. Nos anos 1960, o Flamengo sempre dividiu sua popularidade com os demais grandes clubes do Rio de Janeiro. A virada acontece em 1965, no Regime Militar, quando Roberto Marinho — flamenguista — recebe a concessão de uma emissora de TV e espalha diversas filiais pelo país. Com a força da Globo, o clube se espalha pelo Brasil e, ao longo das décadas, constrói sua gigantesca torcida. Mas é bom lembrar: muito disso foi obra da mídia.

O O Grêmio sempre teve forte apoio na classe média dos imigrantes brancos e conservadores que se instalaram no interior do e estado do RS e, até os anos 1990, tinha uma base concentrada na elite de Porto Alegre. Era o clube da “galerinha” do Anchieta, do Farroupilha, do Americano e dos arredores do Parcão. Sua popularização veio com a gestão de Fábio Koff e com o apoio sutil da RBS, que ampliou sua presença entre a classe média gaúcha.

Mas nunca esqueçam as raízes do Grêmio. Nunca se esqueçam da alma fascista da Geral do Grêmio. Não se esqueçam de como o Flamengo surgiu. E o Flamengo, antes de se tornar “Nação”, nasceu como clube de remo fundado por jovens da elite carioca.

Do outro lado, há times como o Vasco da Gama, Internacional, Atlético Mineiro e Corinthians que são exemplos de clubes forjados pelo povo e que nasceram e cresceram carregando em suas histórias a força popular.

Vasco da Gama: a origem popular de um gigante

Fundado em 1898 por imigrantes portugueses, o Club de Regatas Vasco da Gama nasceu ligado às camadas trabalhadoras do Rio de Janeiro. Primeiro no remo e, logo depois, no futebol, o clube se destacou por uma postura inclusiva que desafiou a lógica elitista do esporte na época.

Na década de 1920, enquanto os principais clubes cariocas restringiam a participação de negros e operários, o Vasco abriu espaço para jogadores vindos dos subúrbios, trabalhadores portuários e mestiços. Em 1923, conquistou seu primeiro título no futebol com um time marcado pela diversidade social e racial, o que gerou resistência da elite esportiva.

A resposta do Vasco foi histórica: recusou-se a excluir seus atletas e reafirmou sua identidade popular. Desde então, a cruz de malta passou a carregar não apenas vitórias dentro de campo, mas também um símbolo de luta contra o preconceito e de afirmação das classes populares.

Internacional: time do povo desde a origem

Fundado em 1909, o Internacional nasceu em Porto Alegre como um clube aberto a todos, em contraste com a exclusividade de outras agremiações da época. O nome não foi escolhido por acaso: na primeira década do século XX surgiram vários clubes chamados “Internacional” no Brasil, todos inspirados pelo ideal da Internacional Socialista. Por isso, muitos adotavam as cores vermelha ou azul e preta, ligadas ao socialismo e ao anarquismo.

Negros, trabalhadores e imigrantes encontraram no Colorado um espaço de pertencimento. Não por acaso, entre 1905 e 1917, Porto Alegre era referência nacional no movimento sindical, e o Inter dialogava com esse espírito popular. Contudo, na década de 1920, setores da classe média alta assumiram o controle do clube e chegaram a impor a camisa branca, numa tentativa de afastar a identificação com a Revolução Bolchevique, que acontecia na Rússia.

Mesmo assim, a paixão vermelha se consolidou, e o Inter permaneceu como um dos clubes mais representativos do povo gaúcho.

O futebol, afinal, não é só bola rolando: é memória, política, mídia e disputa de narrativas.

*Historiador, professor e pesquisador

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