Uma ilha em forma de reino: Tree narrado por Líra (Conto)

Texto e ilustração: Amanda Nóbrega*

A época fria do ano tinha chegado tanto para os humanos quanto para os Humtrees. Observo, da janela do meu quarto, a neve suja cair e as criaturas horrendas rolarem na neve. Penso como seria se tivesse crescido aqui, sinto falta da minha mãe, do seu chocolate quente de Nescau e sua forma escandalosa de dizer que está com frio. Essas memórias sempre se voltam à minha cabeça, quando observo o quão humanas podem ser os costumes aqui em Tree. Minha mãe até poderia vir visitar, mas o povo daqui iria olhar estranho para ela, eles se negam a crer que nossas raças podem se misturar. Eu sou a prova que isso não é verdade: meu pai é bem pequeno, com pele morena queimada, cabelo preto bagunçado, olhos verdes escuros, nariz grande e torto e minha mãe alta com pele branca, cabelo loiro com olhos castanhos e, mesmo assim, vivo em Tree e ninguém percebe que não sou uma HumTreen.

Vejo uma cena perfeita para fotografar: um Ornitorrinco cavando um buraco com seu bico! Prendo a foto em meu diário. Fecho o livro e vou buscar uma caixa grande em cima do meu armário. Lá está todos os meus diários e álbuns de fotos, todos são de 5 anos atrás, quando eu tinha 14 anos, ainda quando eu estava na Terra; escrevia relatos, da minha vida e de coisas que fotografava com minha câmera. Meu sonho era ser jornalista… hoje, releio eles sempre que posso. É muita loucura pensar que tanta coisa mudou e é estranho pensar em tudo isso, a forma como veio a acontecer o incidente do meu pai e tudo mais… Engraçado que existe a maior burocracia para que essas coisas sejam evitadas. Aposto que se eu voltasse à Terra e publicasse sobre isso, a história ficaria afamada. 

 “O rei teve dois irmãos gêmeos: um era “O príncipe” bonito, inteligente, tudo o que um príncipe se tem a oferecer; e o outro era “passeador” por assim dizer, fugia das aulas, nadava nos rios e mares e passava dias fora de casa. Mesmo tendo a vida dos sonhos, assim que pode ele fugiu para fora do reino, conheceu minha mãe e acabou que ela engravidou.”

Nos primeiros 5 anos, ele ficou com a gente e depois voltou para o reino. Depois de uns anos, surpreendentemente para meu pai, eu e o rei, “O príncipe” acabou adoecendo e morrendo antes do rei, e Tree ficou sem um futuro governante. Apesar de ter um segundo príncipe, para governar é necessário de um filho, um tipo de garantia, se você morre tem substituto. Eu era a única substituta. Meu pai só poderia governar se ele me trouxesse para cá, para Tree. Mas governar o reino também não é nada fácil, existe um antigo rei, que é meu avô e um novo presidente, que é nomeado a cada ano. O presidente formula leis para o reino e o rei declara se as aceita ou não. Em 1500*?, quando a parte de terra onde os humtrees moravam foi descoberta por comuns em 1.606*?, foi declarado que, pela lei 19.506: “nenhum humano será bem-vindo no nosso reino e nenhum HumTreen será bem-vindo na terra deles, viveremos separados pela lei que afirma que nenhum humano poderá nos enxergar e os que verem será um lugar “comum”.” Ou seja, os humanos, por mais que circulem por perto da nossa ilha, eles nunca perceberam os que vivem aqui.

Nosso povo vive numa ilhota mortalmente chata, chamada Ducie, um atol desabitado que faz parte das ilhas Pitcaird que fica ao leste, à 2.690 km de distância do Ponto Nemo. Incluindo a lagoa, sua área é bem florestada com tournefortia argentea, uma árvore comum em ilhas do Oceano Pacífico, que chega a 6 metros de altura. A ilha tem extensão de 3,9 km², possui 2,4 de comprimento e 1,6 km de largura. Vista por imagem de satélite, nem se dá para ver o reino e seus atuais habitantes, ou seja, não dá para ver as estranhezas. E quando digo estranhezas, estou falando dos exóticos animais de Tree, como os venenosos peixes e tubarões que vivem na nossa lagoa e o Ornitorrinco que fotografei, ele vaga pela Terra e os humanos o normalizaram, mas a criatura é natural daqui; e além de meios que nos levem para fora da ilha, existem protocolos para que não aconteça com os cidadãos o que aconteceu com meu pai, mas é claro que não negaram ao filho do rei de sair, e não existe leis, nem um tipo de escudo para proibir os animais de circularem. 

De repente, ouço um estouro da janela! Era um Chotacabras-orelhudo, uma ave que se parece um filhote de dragão com assas cor de cascalho de árvore e olhos escuros, eles vivem sobrevoando o reino, fazem entregas e outras coisas, sempre que quero alguma coisa peço para Browne, meu Chotocabras, que vá até minha mãe e traga para mim. 

Saio do quarto e desço a escadaria, atendo a porta e recebo o que pedi, cereal e leite. As comidas do nosso reino são selecionadas rigidamente, no reino, não se pode comer carne, nada de açúcar, nem lactoses e outras coisas. Apenas saladas e frutas, e é muito comum servirem os dois juntos. Mas como não “pertenço” ao reino, tenho um tipo de exceção.

*Escritora e estudante do ensino médio.

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