Ursinho Pooh – Sangue e Mel: o tão ruim que não é nada bom

Por Leonardo Lima*

Em conformidade com a lei de propriedade intelectual estadunidense, que prevê um limite de 95 anos para o uso exclusivo de um personagem, o icônico Ursinho Pooh, criado em 1926, passou a domínio público desde 2021. Era óbvio que a indústria do entretenimento iria aproveitar a oportunidade de explorar o carismático urso amarelo, baixinho e de suéter vermelho até então pertencente à Disney.

Para a surpresa de muitos, a primeira versão “alternativa” do personagem teria o objetivo de chocar o público, subvertendo a tradicional imagem de Pooh, tido como fofo e bondoso, ao colocá-lo como protagonista de um slasher, subgênero do terror associado a tramas repletas de violência impiedosa e graficamente perturbadora. Tal premissa, por mais estranha que pareça à primeira vista, inegavelmente possuía um apelo de irresistibilidade junto à cinefilia, ainda que esta fosse movida meramente pela curiosidade. Ursinho Pooh – Sangue e Mel, longa dirigido por Rhys Frake-Waterfield, é o resultado dessa, digamos, incomum iniciativa. 

Mesmo que não houvesse grandes expectativas quanto ao surgimento de um novo clássico do cinema, o que vemos em tela é algo bastante aquém do que poderíamos imaginar. O plot do filme é o mais básico possível: após anos convivendo com seus amigos do Bosque dos 100 Acres, Christopher Robin, assumindo os percalços da vida adulta, vai para a faculdade, decisão que implica deixar para trás Pooh, Leitão e outros. Ao sentirem-se abandonados e relegados a um destino trágico, eles se voltam contra os humanos de maneira fria e implacável, jurando, em especial, vingar-se do amigo de outrora.

A introdução do filme, longe de ser inovadora, ao menos foge ao convencional de histórias live action, garantindo um certo elo de nostalgia com a mítica fantástica em torno de Pooh e seus companheiros de natureza, servindo, ainda, para o estabelecimento de uma atmosfera sombria envolvendo os personagens nos dias atuais. Infelizmente, no entanto, a direção não tem cerimônia em apressar a narrativa, optando por dar uma resolução extremamente simplória à sorte de dois personagens, com os quais o espectador tinha algum potencial de criar vínculos a ponto de se importar com eles. Ao fazer isso, desvia-se o foco para um grupo insosso de amigas que, além de não terem qualquer desenvolvimento enquanto personagens e atuarem de maneira canhestra, ainda são exploradas com um viés por vezes machista e fetichista, um deleite para machos ainda mais perigosos que os famigerados Pooh e Leitão sedentos por sangue.

Para além disso, e o que mais importa na verdade, Ursinho Pooh – Sangue e Mel não faz jus à longa tradição do slasher no cinema, sequer a representantes considerados de segunda categoria. Falta ao diretor senso de criatividade quanto à criação de momentos impactantes, dignos da alcunha terror/horror, bem como imaginação para explorar a desumanidade de seus protagonistas. Se a ideia era fazer de Pooh uma figura assustadora, fantasmagoricamente cruel em relação ao seu passado pueril e inocente, o que se tem, no final das contas, é um urso risível em termos de composição do figurino, do qual mais temos vontade de rir do que correr de medo.

Como o orçamento gasto no filme foi baixíssimo, e o lucro certamente virá, aguçado pela curiosidade das pessoas em verem um Ursinho Pooh do mal, é provável que tenhamos uma continuação, e, quem sabe, adaptações de outros personagens famosos que, nos próximos, anos, também estarão livres das amarras da propriedade intelectual de grandes corporações. Essa primeira tentativa de reinventar um personagem presente no imaginário coletivo de tanta gente mostrou-se fracassada, não pela ideia em si, mas, sobretudo, pela execução frágil e sem personalidade de seus realizadores. O típico caso de filme tão ruim que não é nada bom.

*Recifense, 38 anos, sociólogo, aliado do feminismo e do movimento LGBTQIAP+, antirracista e torcedor do Santa Cruz. Crítico de cinema, mantenho no Instagram a página Cine Mulholland e um perfil na rede social cinéfila Letterboxd. Também sou integrante do Podcast Cinema em Movimento e do site Urge!

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