O Triste Espetáculo da Exotização
Por Breno Matos*
Nos últimos anos, Hollywood tem se aventurado frequentemente em retratar culturas estrangeiras, particularmente a indiana, com resultados que são, no mínimo, questionáveis. Filmes que pretendem capturar a essência de uma cultura tão rica e diversa acabam por se tornar meras caricaturas, completamente americanizadas em sua execução. “Fúria Primitiva”, a estreia de Dev Patel como diretor, infelizmente, segue essa mesma trajetória, entregando uma obra que, em vez de celebrar a autenticidade cultural, opta por estereótipos e simplificações.
Dev Patel, conhecido por suas atuações em “Quem Quer Ser um Milionário?” e “Lion”, teve uma carreira marcada por escolhas que frequentemente apelam ao emocional e utilizam truques narrativos baratos. Em “Fúria Primitiva”, ele parece ter trazido consigo esses elementos, criando um filme que se apresenta como uma espécie de celebração da cultura e comunidade indiana, mas que, na realidade, é uma versão superficial e americanizada da mesma. Em vez de um olhar profundo sobre a cultura que pretende retratar, o filme oferece uma visão estereotipada e rasa, que não faz justiça à riqueza e complexidade do país retratado.
A narrativa é carregada de clichês e estereótipos, com personagens que falam inglês com sotaque americano e carecem de qualquer profundidade cultural genuína. A tentativa de exaltar a cultura indiana se perde em meio a apelações emotivas e cenas construídas para impactar superficialmente, sem uma real compreensão ou respeito pelo contexto cultural. Isso resulta em um filme que parece mais uma paródia do que uma representação fiel e honesta. A superficialidade é evidente, desde o tratamento dos personagens até a forma como as tradições culturais são apresentadas, muitas vezes de maneira caricatural e desrespeitosa.
Além disso, Patel recorre a truques baratos de enredo, utilizando dispositivos narrativos previsíveis e forçados. A trama, que poderia ser uma oportunidade para explorar temas profundos e significativos, se dilui em um mar de convenções de Hollywood que pouco têm a ver com a verdadeira essência da Índia. A sensação é de que estamos assistindo a um filme feito para uma audiência que não conhece, nem se importa em conhecer, a cultura que está sendo representada. Em vez de desafiar o público a pensar criticamente ou a aprender algo novo, prefere se conformar com a familiaridade e o conforto dos tropos conhecidos.
Os aspectos técnicos também não conseguem salvar a obra. A cinematografia é genérica e as escolhas de direção, embora competentes, carecem de originalidade e visão artística. O filme tenta compensar suas falhas com apelos visuais e emocionais, mas acaba se tornando mais uma peça de entretenimento esquecível, sem nada de novo ou relevante a acrescentar. As cenas de ação, embora bem coreografadas, não conseguem mascarar a falta de substância do roteiro. A trilha sonora, apesar de tentar capturar a essência da música indiana, muitas vezes soa deslocada.
É lamentável ver que, em sua estreia como diretor, Dev Patel optou por seguir um caminho que perpetua a exotização e a superficialidade. Em vez de trazer uma nova perspectiva ou uma voz autêntica, “Fúria Primitiva” se junta à lista de filmes que tratam culturas estrangeiras como meros cenários exóticos para histórias que, no fundo, são inteiramente americanas.
A carreira de Dev Patel até agora tem sido marcada por papéis em filmes que, embora populares, muitas vezes recorrem a truques emocionais e narrativos baratos. “Quem Quer Ser um Milionário?”, por exemplo, apesar de seu sucesso crítico e comercial, é altamente criticado por sua visão estereotipada da Índia. “Lion” é outro que também se apoia fortemente em apelos emocionais fáceis. Como diretor, Patel teve a chance de redefinir sua trajetória e provar seu valor como cineasta, mas infelizmente, ele optou por seguir um caminho seguro e previsível já conhecido.
“Fúria Primitiva” é um exemplo clássico de como Hollywood continua a falhar em sua tentativa de representar culturas estrangeiras de forma autêntica. Dev Patel, infelizmente, entrega uma obra que, ao invés de celebrar a diversidade cultural, reforça estereótipos e clichês. Esperamos que, no futuro, essa realidade mude. Que os cineastas possam aprender com esses erros e oferecer ao público algo que verdadeiramente honre e respeite as culturas que procuram retratar. Até lá, filmes como este permanecem como um lembrete doloroso de como a busca americana por lucro pode eclipsar o respeito e a autenticidade.
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*Escritor e crítico de cinema, Breno é autor dos livros; Por Trás de um Sol e Sobre Pássaros e Caracóis. Também analisa filmes recém lançados e divulga grandes autores da sétima arte através de sua página Lanterna Mágica Cinema no instagram. Além de também ser o criador e organizador da premiação amadora de cinema Kurosawa de Ouro. Seu filme do coração é Persona, e respectivamente Ingmar Bergman seu diretor favorito.