Assassino Por Acaso (Crítica)

As Metamorfoses Fílmicas de Linklater

Por Breno Matos*

A comédia no cinema clássico é um gênero que sempre encontrou maneiras de se reinventar, mantendo-se relevante e cativante ao longo das décadas. Desde os primórdios do cinema mudo, com astros como Charlie Chaplin e Buster Keaton, passando pela era dourada de Hollywood com mestres como Billy Wilder e Preston Sturges, até os dias atuais, a comédia tem sido uma forma de arte que reflete e comenta a sociedade de maneiras perspicazes e muitas vezes subversivas. Richard Linklater, um dos diretores versáteis e inovadores de nossa era, traz seu novo projeto neste gênero tão subestimado com “Assassino Por Acaso”.

É fascinante observar a evolução da carreira de Linklater ao longo das décadas. Este diretor, cuja assinatura distintiva é visível em toda a sua filmografia, mostra uma capacidade única de alternar estilos de maneira sofisticada e orgânica. Nos anos 90 com a trilogia “Antes”, que evocava a sensibilidade de Eric Rohmer, capturando momentos íntimos e efêmeros de romance e filosofia. Depois, apresentou “Boyhood”, uma contemplação da vida que lembrava Ozu, oferecendo uma meditação tranquila e profunda sobre o crescimento e a passagem do tempo. Agora, com “Assassino Por Acaso”, oferecendo uma comédia que exala a genialidade de Billy Wilder, misturando sagacidade e charme de maneira irresistível.

Embora essas comparações sejam apenas leves reminiscências dos estilos de outros cineastas, Linklater conduz suas obras com uma personalidade iinconfundível. Aqui essa característica se destaca especialmente. O filme é uma comédia deliciosa e bem elaborada que se sustenta fortemente na performance magnética de Glen Powell. Powell, que também contribuiu para o roteiro, entrega uma atuação sagaz e perspicaz que se torna o pilar deste projeto. Sem ele, é provável que o filme não alcançasse o mesmo sucesso.

Powell, um ator com uma carreira até então irregular em termos de qualidade, encontra na comédia seu grande momento. Se as premiações americanas realmente fossem sobre melhores atuações, independente de gênero ou temática, Powell seria um dos grandes favoritos em sua categoria. A química entre ele e Adria Arjona é palpável e essencial para o desenvolvimento da trama. Arjona, em sua primeira colaboração com Linklater, traz uma energia vibrante que complementa perfeitamente a de Powell. Sua presença em cena não só sustenta a narrativa, mas também adiciona uma profundidade emocional que eleva o filme.

A interação entre Powell e Arjona não apenas solidifica a base da narrativa, mas também confere credibilidade às transformações dos personagens ao longo do filme. Embora a obra toque em algumas temáticas psicológicas, isso é feito de forma sutil, suficiente para validar as mudanças na trama e nos personagens, sem nunca desviar o foco da comédia central. Esse equilíbrio é um dos grandes méritos do filme, mantendo-o leve e acessível. O roteiro, co-escrito por Powell, é cheio de diálogos afiados e situações cômicas que, embora às vezes pareçam absurdas, sempre encontram um núcleo de verdade e humanidade.

Outro ponto positivo é a habilidade de Linklater em manter a narrativa envolvente e dinâmica. A direção ágil e a edição precisa contribuem para um ritmo que mantém o público constantemente entretido. O humor é inteligente e bem dosado, evitando clichês mais enlatados de forma descarada e proporcionando momentos genuinamente hilários. A trilha sonora, cuidadosamente selecionada, também merece destaque, adicionando uma camada extra de charme à experiência cinematográfica. As escolhas musicais refletem o tom e a energia do filme, complementando perfeitamente as cenas sem jamais sobrecarregá-las.

A fotografia de “Assassino Por Acaso” é outro elemento que merece menção. As escolhas visuais reforçam o tom cômico e proporcionam uma estética agradável que se alinha com a narrativa. Cada cena é construída com atenção aos detalhes, demonstrando a destreza técnica de Linklater em criar um ambiente imersivo e coeso. A cinematografia, ao mesmo tempo estilizada e naturalista, captura a essência dos personagens e suas interações, criando uma atmosfera que é tanto visualmente cativante quanto emocionalmente ressonante.

“Assassino Por Acaso” é uma adição e tanto à filmografia de Richard Linklater. Com boas atuações, direção competente e um roteiro inteligente, o filme se destaca como uma das melhores comédias do ano até o momento. E é uma prova de que, mesmo após décadas de carreira, Linklater continua a reinventar-se com obras de grande qualidade e originalidade. Ao observar sua trajetória, fica claro que é um cineasta que se recusa a ser definido por um único estilo ou gênero. Seu compromisso com a autenticidade e a profundidade emocional, ainda que cômica, combinado com uma abordagem sempre fresca e inovadora, garante que suas obras permaneçam relevantes.

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*Escritor e crítico de cinema, Breno é autor dos livros; Por Trás de um Sol e Sobre Pássaros e Caracóis. Também analisa filmes recém lançados e divulga grandes autores da sétima arte através de sua página Lanterna Mágica Cinema no instagram. Além de também ser o criador e organizador da premiação amadora de cinema Kurosawa de Ouro. Seu filme do coração é Persona, e respectivamente Ingmar Bergman seu diretor favorito.

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