Furiosa: Uma Saga Mad Max (Crítica)

A Grande Odisseia de Miller e a Reinvenção do Caos

Por Breno Matos*

Não é de hoje que alguns cineastas do cinema de ação se destacam pela busca incessante por entretenimento imediato, priorizando cenas de ação espetaculares e efeitos visuais impressionantes. No entanto, essa abordagem frequentemente resulta em obras que carecem de profundidade, tanto na linguagem cinematográfica quanto no conteúdo narrativo. E quanto maior o recurso tecnológico aumenta, maior a quantidade de filmes patéticos. E boa parte dos filmes de ação modernos tendem a valorizar a pirotecnia em detrimento de histórias bem construídas e personagens complexos, criando experiências que são visualmente impactantes, mas emocionalmente superficiais.

Em meio a esse panorama, a carreira de George Miller se destaca como um farol de inovação e profundidade nesse meio. Desde seu início com “Mad Max” lá em 1979, Miller tem demonstrado uma habilidade singular para criar mundos ricos e detalhados, povoando-os com personagens que, apesar de suas circunstâncias extremas, ressoam com autenticidade e humanidade. O seu “Mad Max: Estrada da Fúria” de 2015, é um exemplo perfeito de como o cinema de ação pode ser ao mesmo tempo visceral e profundamente significativo dentro do seu próprio contexto, universo e proposta. Miller não se contenta em apenas entreter; ele utiliza a ação como uma linguagem para explorar temas complexos como sobrevivência, redenção e até o espírito animal humano. Seus filmes são marcados por uma atenção meticulosa aos detalhes e uma coreografia de ação que, embora espetacular, nunca perde de vista o desenvolvimento do personagem e a narrativa. Sua busca é sempre o todo enquanto resultado artístico.

“Furiosa” então é o retorno de nosso cineasta ao universo pós-apocalíptico de Mad Max, um filme que exala a mesma energia frenética e visceral de “Estrada da Fúria”. Completamente insano, o filme segue o estilo e ritmo de seu predecessor, levando o público a uma jornada alucinante através de um deserto implacável. Miller, em sua incansável busca por criar fantasia, demonstra mais uma vez seu talento em transformar o caos em arte cinematográfica.

A trama é construída em torno da personagem-título antes dos acontecimentos do filme anterior e toda a sua jornada até se tornar o que já vimos em 2015, interpretada por Anya Taylor-Joy, que assume o manto com uma intensidade crua e convincente. Recentemente, eu nutria certo receio quanto às atuações de Taylor-Joy, temendo que sua imagem de “princesa da Disney” pudesse prejudicar a profundidade de suas performances. No entanto, Miller oferece a ela o tratamento ideal, permitindo que se liberte de estereótipos visuais e mergulhe de cabeça no papel, sujando literalmente a testa de graxa.

Os elementos técnicos do filme são nada menos que impressionantes, como de costume para o diretor. A cinematografia, assinada por John Seale, captura a brutalidade e a beleza do mundo desolado com uma precisão quase poética. A trilha sonora, composta por Tom Holkenborg, amplifica a tensão e a urgência de cada cena, criando uma sinfonia de destruição que ecoa pelo deserto. As sequências de ação são meticulosamente coreografadas, exibindo um balé caótico de violência e velocidade.

No entanto, é na tentativa de Miller de imbuir o filme com uma profundidade emocional que encontramos uma ligeira fraqueza. A sequência final busca uma reviravolta inesperada, introduzindo elementos de introspecção e tragédia pessoal que, embora ambiciosos, parecem um tanto forçados, tanto na construção do enredo como também nos diálogos. Essa tentativa de aprofundamento, embora não comprometa a experiência geral, cria uma leve dissonância no ritmo frenético estabelecido anteriormente de forma incômoda e pouco orgânica.

Miller, conhecido por sua habilidade em criar mundos vibrantes e personagens memoráveis, oferece uma visão provocativa da redenção e da resistência em “Furiosa”. Ele não apenas repete a fórmula de sucesso de “Estrada da Fúria”, mas expande o universo com novos personagens e desafios, explorando temas de poder, sacrifício e sobrevivência. Mesmo quando o filme tropeça em sua busca por profundidade, a força de sua visão artística permanece inabalável.

A trajetória de George Miller é um lembrete poderoso de que o cinema de ação pode e deve aspirar a mais do que apenas o espetáculo superficial. Ao infundir suas obras com uma riqueza de detalhes e uma profundidade de conteúdo, Miller oferece um contraponto vital à tendência dominante do cinema contemporâneo, provando que é possível criar filmes de ação que são verdadeiras obras de arte.

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*Escritor e crítico de cinema, Breno é autor dos livros; Por Trás de um Sol e Sobre Pássaros e Caracóis. Também analisa filmes recém lançados e divulga grandes autores da sétima arte através de sua página Lanterna Mágica Cinema no instagram. Além de também ser o criador e organizador da premiação amadora de cinema Kurosawa de Ouro. Seu filme do coração é Persona, e respectivamente Ingmar Bergman seu diretor favorito.

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