Longlegs: Vínculo Mortal (Crítica)

A armadilha do horror contemporâneo: a estética sobre a substância

Por Breno Matos*

Falar sobre serial killers no cinema americano é sempre um desafio delicado. Este tema, fascinante e perturbador ao mesmo tempo, exige uma abordagem que vá além da simples exposição de violência ou da glamorização do horror. No entanto, nos últimos anos, muitos filmes têm falhado em capturar a profundidade necessária para abordar esse tipo de narrativa. A falta de profundidade narrativa é evidente em várias produções recentes que, ao invés de explorarem as complexidades psicológicas e sociais dos assassinos em série, se contentam em oferecer um espetáculo visual interessante e diferente, sem, no entanto, se preocuparem com o conteúdo ou a responsabilidade que esse tema demanda. Essa abordagem rasa, por vezes irresponsável, resulta em filmes que tratam o horror de maneira superficial, utilizando o choque pelo choque, sem trazer à tona discussões significativas. Infelizmente, “Longlegs: Vínculo Mortal”, dirigido por Osgood Perkins, se enquadra exatamente nesse problema.

O filme segue a história de Lee Hacker, uma agente especial interpretada por Maika Monroe, que se vê envolvida na investigação de uma série de assassinatos brutais. Esses crimes, caracterizados por uma violência extrema e ritualística, levam a agente a confrontar um serial killer conhecido apenas como Longlegs. À medida que a investigação avança, Lee começa a perceber que os crimes podem estar conectados a uma antiga lenda urbana e a um passado sombrio, que ela mesma tentou esquecer. A trama se desenrola em uma atmosfera de mistério e tensão, com Lee desvendando pistas e enfrentando seus próprios demônios internos. No entanto, quanto mais ela se aproxima da verdade, mais perigosas se tornam as consequências, tanto para ela quanto para aqueles ao seu redor.

Nos últimos anos, a distribuidora A24 tem se destacado no cenário do horror, lançando filmes que, de certo modo, redefiniram o gênero. Obras como “Midsommar” e “Beau Tem Medo” de Ari Aster, a trilogia “X” de Ti West, e “Men” de Alex Garland, trouxeram um novo fôlego ao horror contemporâneo, no que dizrespeito a uma estética distinta e uma abordagem que fuge do tradicional escapismo do gênero. Esses filmes criaram uma tendência onde o visual se tornou uma das principais preocupações, muitas vezes ultrapassando a construção narrativa do conteúdo. A estética ‘estranhinha’ e desconcertante, combinada com trilhas sonoras que amplificam o desconforto, passou a ser a marca registrada de muitos desses filmes. No entanto, essa tendência tem um lado negativo: a superficialidade com que os temas são abordados. Ao focar tanto no visual e no impacto imediato dos sustos sonoros, muitos diretores acabam negligenciando o conteúdo, resultando em obras que, apesar de conseguirem por vezes ser estilisticamente impressionantes, são narrativamente rasas.

“Longlegs: Vínculo Mortal” segue exatamente essa fórmula, mas de maneira ainda mais problemática. Osgood Perkins, assim como outros diretores de horror já citados, parece mais preocupado em criar um ambiente visualmente distinto do que em desenvolver uma história que realmente explore a complexidade do tema. O filme utiliza o horror como uma tela para exibir sua estética estranha e estilizada, mas esquece de aprofundar seus personagens e a trama. Em vez de proporcionar uma experiência completa, onde o visual e o conteúdo se complementam, “Longlegs” oferece uma narrativa fraca que serve apenas como pretexto para o diretor explorar sua visão estilística através do choque de algumas sequências sanguinolentas. A construção de sustos através da trilha sonora é uma tentativa rasa de provocar medo, sem a sustentação de um conteúdo significativo que realmente justifique o uso desses recursos.

Tecnicamente, o filme tem certos méritos. A fotografia de Andres Arochi é, sem dúvida, um dos pontos altos, com uma paleta de cores que contribui para a atmosfera sombria e opressiva da trama. O trabalho de maquiagem de Jordan Crawford, Felix Fox e Harlow MacFarlane e cenografia de Danny Vermette também merecem elogios, especialmente na construção das cenas de crime, que são visualmente impactantes e detalhadamente elaboradas. A construção sonora de Elvis Perkins da ambientação, em alguns momentos, consegue criar uma tensão palpável, mas isso é prejudicado pelas tentativas excessivas de sustos sonoros, que se tornam lamentavelmente previsíveis e ineficazes. Quanto às atuações, o filme apresenta um elenco secundário que oscila entre o banal e o medíocre. Maika Monroe, que interpreta a protagonista Lee Hacker, entrega uma performance que pouco empolga por conta de uma personagem apática, que acaba sendo retratada como alguém sem vida, depravada e que passa uma fraqueza palpável, tanto em suas expressões faciais quanto na linguagem corporal. Essa falta de credibilidade compromete uma conexão com a trama e enfraquece a narrativa como um todo. Já Nicolas Cage, em um papel que poderia ter sido o destaque do filme, acaba por exagerar em sua atuação mais uma vez, tornando seu personagem uma caricatura cômica. A maquiagem pesada e os maneirismos exagerados de sua performance fazem com que algumas cenas, que deveriam ser aterrorizantes, acabem soando ridículas, como na sequência em que seu personagem canta para uma garotinha e sua mãe, um dos momentos mais constrangedores do filme e, talvez, do ano.

“Longlegs: Vínculo Mortal” é um exemplo de um filme que se leva tão a sério que acaba por se tornar ridículo. As temáticas envolvidas, que poderiam ter sido exploradas de maneira profunda e impactante, são usadas apenas como muletas para sustentar um visual que se esforça demais para ser estranhinho e cult. Com uma protagonista fraca, um vilão raso e cômico, e uma sequência final que entra no campo brega de explicar toda a trama até ali. O esforço para criar algo visualmente estilizado não compensa a falta de substância, resultando em uma obra que, ao tentar ser algo inovador e profundo, acaba sendo boba e caricata.

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*Escritor e crítico de cinema, Breno é autor dos livros; Por Trás de um Sol e Sobre Pássaros e Caracóis. Também analisa filmes recém lançados e divulga grandes autores da sétima arte através de sua página Lanterna Mágica Cinema no instagram. Além de também ser o criador e organizador da premiação amadora de cinema Kurosawa de Ouro. Seu filme do coração é Persona, e respectivamente Ingmar Bergman seu diretor favorito.

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