Por Pablo Rodrigues*
Ao longo de sua extensa carreira, Clint Eastwood tornou-se um dos maiores ícones do cinema estadunidense, tanto como ator quanto como cineasta, construindo uma filmografia sólida e de qualidade cinematográfica inegável. Assim, é muito bom ver que o veterano diretor, aos 94 anos de idade, continua ativo e entregando obras relevantes, como é o caso de JURADO Nº 2, seu mais recente trabalho.
Na trama, acompanhamos Justin Kemp (Nicholas Houtt), um pai de família que é convocado para atuar como jurado em um julgamento de assassinato. Porém, durante o processo, ele acaba se vendo em um dilema moral ao descobrir que pode ter relações como o crime julgado, o que poderá influenciar o veredito do júri.
Em JURADO Nº 2, Clint Eastwood toma como referência grandes obras dos chamados “filmes de tribunal”, como 12 HOMENS E UMA SENTENÇA (1957), de Sidney Lumet e ANATOMIA DE UM CRIME (1959), de Otto Preminger, para marcar seu nome no gênero com mais ótimo exemplar. Um drama envolvente, tenso, que prende a atenção do público do início ao fim.
Juntamente com o roteirista Jonathan Abrams, Clint constrói uma narrativa que traz mais uma vez como temática central a crítica às instituições americanas e suas falhas (algo recorrente na filmografia do diretor), neste caso, o sistema judiciário. E ainda que esta crítica seja feita a partir da perspectiva de direita de seu diretor, ela traz reflexões importantes sobre justiça, moralidade e ética.
O roteiro apresenta seu protagonista como um típico “cidadão comum americano”, marido afetuoso, cumpridor das leis, vendo-se numa situação onde pode ser o responsável por um crime. Ao mesmo tempo em que o acusado tem um histórico nada exemplar que já o faz ser julgado pelas pessoas antes mesmo da apresentação das evidências. Este contraste entre as personagens coloca para o público um dilema ético pertinente que expõe nossos próprios julgamentos morais à medida que a trama se desenvolve. Julgamentos estes que são refletidos nas diversas opiniões dos jurados do caso. Assim, o filme provoca o público e problematiza as limitações da justiça e sua suposta imparcialidade.
Tudo isso através de uma narrativa que desenvolve muito bem sua trama e suas personagens, principalmente seu protagonista, interpretado com muita eficiência pelo talentoso Nicholas Houtt, o qual entrega uma atuação minimalista, que também é uma desconstrução do protagonista altruísta interpretado por Henry Fonda em 12 HOMENS E UMA SENTENÇA. Destaque também para Toni Collette, que está muito bem como a ambiciosa promotora do caso.
Como é habitual nos filmes do diretor, a direção é econômica, prezando por uma linguagem mais clássica e uma fotografia sóbria e com muita luz, refletindo o ambiente onde, supostamente, a verdade será iluminada. Por ser um filme que depende muito calcado de diálogos, seu ritmo poderia ser prejudicado e se tornasse cansativo. No entanto, a ótima montagem consegue criar dinamismo através de soluções simples, porém, eficientes, como o uso de flashbacks pontuais, porém, assertivos, que revelam versões diferentes do mesmo acontecimento. Além disso, é interessante como os discursos do advogado e da promotora na corte, que acontecem em momentos distintos, são intercalados de modo a criar um debate entre os mesmos que só acontece para o público por meio da montagem.
Mesmo com essas qualidades, é surpreendente ver o descaso da Warner para com JURADO Nº 2, promovendo um lançamento pífio em poucas salas nos Estados Unidos e quase sem divulgação, indo logo para o streaming. Um desrespeito para com um de seus maiores artistas, o qual contribuiu com este estúdio por cinquenta anos. De todo modo, isso não diminui a qualidade desta obra que, sem dúvida, é uma das melhores do ano.
Disponível na MAX
*Psicólogo social, crítico de cinema, militante de esquerda, criador do canal do Youtube e do podcast CINEMA EM MOVIMENTO.