Slumber Party: O Massacre, Garota Infernal e as narrativas deturpadas pelo sexismo.

Por Sthefaniy Henriques*

Que a indústria cinematográfica é um campo de nítida desigualdade de gênero, não chega a ser novidade para ninguém. Tal desigualdade é tão visível que acaba sendo perceptível até mesmo em profissões onde rostos femininos são bastante comuns, como no ramo da atuação. Quando se trata de mulheres por trás das câmeras, a presença diminui drasticamente, isso porque o cinema atua na produção de significados sociais, constituindo e refletindo (através da subjetividade) uma ampla rede de relações com vistas no mundo real, com relações de gênero, étnicas, classe etc.

Historicamente, muito dos argumentos para a ausência de mulheres estava associado ao tipo de filme em produção. Na verdade, até hoje é fácil de ser ouvir que uma mulher não pode dirigir filmes de ação com homens como protagonista, afinal, é necessário conhecer o universo masculino para, assim, reproduzir a virilidade necessária para tal projeto. No cinema de horror, a situação não vai ser muito diferente, o que chega a ser um tanto conflitante, pois, como defende David J. Hogan, o cinema de horror possuí dois temas análogas a suas narrativas: morte e sexualidade. Sexualidade que vai ser muito presente no subgênero slasher ao entregar muita nudez feminina e morte das mesmas mulheres que terão os corpos expostos.

Dialogando com a visão de Hogan sobre a presença da sexualidade no cinema de terror, se faz necessário a alusão ao trabalho ‘‘When have all the women gone?’’  de Kate Tremills sobre a ausência de mulheres comandando essas produções, principalmente em filmes que usam a sexualidade feminina como prenúncio de contratempos fatais.  A autora, em suma, defende que os donos de estúdios mantinham a visão de uma existência entre filmes masculinos e filmes femininos, onde o terror era um gênero que apenas empregava homens (direção, roteiro, etc), seria vendido para consumo do público masculino e, com isso, o retorno financeiro seria alto. É aqui que chegamos ao ponto de nossa conversa: Como a indústria se comportou quando mulheres comandaram filmes com propostas originais que buscavam satirizar/ir contra a abordagem masculina em filmes de horror?

A imposta reformulação de Slumber Party: O Massacre (1982)

Garota Infernal é um caso clássico, mas, primeiro, eu trago Slumber Party: O Massacre (1982) para desmitificar qualquer pensamento que coloque o filme estrelado por Megan Fox como um caso isolado. Ao longo dessa discussão, irei apresentar as infelizes ‘‘coincidências’’ que atingiram ambas produções, mesmo que os filmes tenham quase 30 anos de diferença.

Bem antes de Wes Craven fazer muito barulho e eternizar Pânico (1996) como uma grande obra-prima do cinema de terror ao brincar com as características do slasher, a ativista Rita Mae Brown já havia dado o ponta pé com a analise e produzido um roteiro (originalmente intitulado de Sleepless Nights) que parodiava as clássicas situações e elementos do gênero. Quem se interessou por esse projeto, na época, foi a jovem diretora Amy Holden Jones, considerada por Martin Scorsese boa demais para ser apenas assistente de produção em Taxi Driver (1976), colocando-a em contato direto com o produtor Roger Corman para editar e, mais tarde, dirigir filmes. Jones desistiu de editar E.T O Extraterreste (1982) para apostar tudo em The Slumber Party, o que viria a ser sua estreia na direção.

Roger Corman liberou 200 mil dólares para a produção, mas durante a pré-produção, a condição imposta pelos produtores (inclusive Corman) era que o filme deveria deixar o tom cômico de lado e virar uma produção séria, uma ação claramente feita para evitar um fracasso de bilheteria, afinal, estamos falando de um filme com protagonistas femininas, dirigido por mulher e com a ideia de zoar com o tradicional slasher. Com isso, The Slumber Party sofreu um massacre da crítica, por ser tratar de apenas mais um filme sangrento do slasher, afinal, com a seriedade adotada no filme, a possibilidade em ‘‘refrescar’’ o gênero e possibilitar novos rumos para o mesmo, não se fez.

Em relação a bilheteria, o filme até conquistou um número ok. O ‘‘sucesso’’ (uma receita de 3 milhões) veio da campanha de marketing feita para o final, afinal, todo o trabalho foi voltado para o seu público alvo, começando pelo próprio título do filme.

‘‘O Massacre da Festa do Pijama’’ é sugestivo, o título indica que filme será sobre uma série de assassinatos em uma festa do pijama entre mulheres, cerimônia que costuma ser visada e até imaginada com segundas intenções dentro do universo masculino. Esse título vai estar presente em um posters de divulgação onde vemos quatro mulheres apenas de roupas intimas, próximas umas das outras. Uma perfeita isca para um gênero predominante masculino, não?! O filme, entretanto, não tem uma enganação total de marketing, as câmeras de Jones (sem desejar, mas com a obrigação de fazer) extrapolam em cenas de nudez feminina, até para mesmo para o slasher.

A imposição de marketing de Garota Infernal (2009)

Após ganhar o Oscar de Melhor Roteiro Original pelo coming-of-age Juno (2007), a roteirista Diablo Cody recebeu algo bem próximo de uma carta branca da 20th Century Fox para seu próximo projeto. Cody, desta forma, concluiu que iria criar um filme pastiche de horror onde iria desafiar e subverter a representação das jovens mulheres dentre os filmes da década de 1970 e 80. A direção ficou por conta de Karyn Kusama, diretora cujo os trabalhos anteriores Mulheres na Lona (2000) e AEon Flux (2005), eram filmes de ação ou de ‘‘temática masculina’’ (boxe) protagonizados por mulheres.

Sobre Garota Infernal, a temática pode parecer comum: Jennifer (Megan Fox), ao ser possuída por um demônio após um ritual que deu parcialmente errado, se alimenta (literalmente) dos meninos da escola para manter-se radiante até o momento em que sua amiga nerd, Needy (Amanda Seyfried), descobre as atrocidades de Jennifer e pretende dá fim a carnificina da amiga. Cody e Kusama juntas, segundo Constance Sourisse assumem uma forte postura feminista no filme, ligando a figura de Jennifer as questões do feminismo da terceira onda – celebração do individualismo, diversidade e positividade sexual.

O filme, diferente de Slumber Party, não teve problemas em suas gravações. A produção foi gravada como um filme escrito para um público alvo feminino, especificamente para garotas na adolescência, entretanto, os problemas começam durante a fase de testes com o público e nas publicidades. O estúdio e os produtores, não contavam com o resultado do filme e, na fase de pós-produção, houve bastante dificuldade para contornar as características feministas e a própria temática. O plano era vender Garota Infernal para um público masculino de 18 à 24 anos.

O marketing teve papel decisivo para a péssima recepção de Garota Infernal. De início, fora proposto usar sites de pornografia para divulgar o filme, entretanto, por ser uma ideia absurda, a propaganda girou em torno da objetificação do corpo de Megan Fox (sex symbol na época) e da cena do beijo entre Jennifer e Needy. Cody, para o ET Live, reforça que a publicidade foi feita para caras que esperavam uma caracterização particular de Fox, ou seja, vê nudez parcial e vê-la sofrendo sem deixar de estar visualmente atraente, algo característica dos filmes de terror. Obviamente, assim como Slumber Party, Garota Infernal foi massacrado pela crítica, porém com uma particularidade: também foi odiado pelo seu público alvo, afinal, os meninos que foram em busca de Megan Fox e sua hiper sexualização, ganharam o olhar feminino da diretora, o que prejudicou o marketing boca-a-boca.

Similaridades, Reconhecimento e Novos Desafios

Slumber Party: O Massacre sofreu dupla imposição: a de produção e a de propaganda, enquanto Garota Infernal, em um século mais ‘‘empoderado’’, experimentou o fatídico destino de ser arruinado pela sua campanha. O domínio masculino levou críticos e público a concepções equivocadas de ambas produções. Se Slumber Party fosse feito e vendido como parodia e Garota Infernal divulgado como filme sobre amizades e amadurecimento, a recepção certamente seria outra, afinal, ambos filmes são obras rebeldes, zombam e são subversivos dentro de um gênero criado pelos e para homens.

O caso de Garota Infernal e o seu (re)conhecimento entre feministas e a comunidade LGBTQIA+ em plena era do Me Too deu certo ‘‘alerta’’ aos estúdios, entretanto, é utópico pensar que a oportunidade para mulheres na indústria do terror melhorou, e que as campanhas de marketing finalmente deixaram de ser, principalmente, para o público masculino.  O presente não é diverso e, em vista disso, é impossível que eu não conclua reforçando a necessidade de mulheres preencherem espaços na produção de filmes, para que casos como o de Slumber Party: O Massacre e Garota Infernal tornam-se inéditos, não corriqueiros.

Slumber Party: O Massacre (Triller)

Garota Infernal (triller)

 

*Estudante de História pela Universidade Federal Fluminense e crítica de cinema. Por meio da página E O Cinema Levou (@eocinemalevou) no Instagram, discute a relação da História com o Cinema a partir de filmes.

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