Por Daniela Damo*
O filme Argentina, 1985 é inspirado na história real dos promotores Julio Strassera (Ricardo Darín) e Luis Moreno Ocampo (Peter Lanzani), que decidiram investigar e processar a ditadura militar Argentina. O Julgamento foi o primeiro tribunal civil contra militares, fora dos tribunais militares.
Sem se deixar intimidar pela influência ainda grande dos militares em sua nova democracia, Strassera e Moreno Ocampo reuniram uma jovem equipe jurídica para esse julgamento. Sob constante ameaça a si mesmos e a suas famílias, eles correram contra o tempo para trazer justiça às vítimas da ditadura militar.
Inspirado em fatos reais da história do país, Argentina, 1985 busca retratar com fidelidade a luta do povo contra esse regime, bem como a punição de crimes como tortura e desparecimento de pessoas durante esse período, com depoimentos fortes e muito impactantes.
O roteiro de Mariano Llinás e Santiago Mitre consegue construir uma atmosfera necessária para entendermos o quão frágil estava a democracia da Argentina na época, explicitando a urgência de uma ação do judiciário para que os culpados por tamanho genocídio fossem condenados à prisão. O personagem de Darín é retratado no filme como um homem em busca de justiça, mas também com medo das consequências desse tribunal.
Um homem de família que, temendo pelos filhos e pela esposa, permaneceu à margem durante a ditadura. Essa análise fica explícita na frase: “A história não foi feita por caras como eu”, diz ele quase apavorado quando é confirmado que ele terá que liderar o processo mais importante da história da Argentina.
O personagem de Darín é o do cidadão comum e falível que é chamado a enfrentar uma situação extraordinária, apesar de seus medos e erros do passado. Até certo ponto, é como Moreno Ocampo/Lanzani, advogado de uma família militar rica de classe média, que o despreza por se envolver no caso. Sua própria mãe, ele teme, nunca se convencerá de que ele está fazendo a coisa certa.
Como é característico do cinema argentino, mesmo se tratando de um tema tão triste e pesado, há espaço para pequenos alívios cômicos, momentos que são aproveitados por Ricardo Darín com maestria. O veterano e multipremiado ator consegue conduzir seus colegas de elenco, auxiliando na fluidez das cenas e do roteiro.
Argentina, 1985 nada mais é que uma aula de como fazer cinema político. Um drama de posicionamento firme sobre a verdade que tentaram silenciar. No final, Argentina, 1985 entrega um longa caprichado, tanto em recriar a época, os costumes, os figurinos, bem como trilha sonora dramática e cores que remetem o a dramaticidade do momento.
O discurso de acusação é brilhante, difícil não se emocionar. Interessante notar que a Argentina conseguiu aquilo que ainda permanece ausente no Brasil: o julgamento e punição dos responsáveis pelas torturas e mortes realizadas durante a ditadura. A impunidade e o esquecimento talvez expliquem a decadência moral e política do Brasil atual.
Disponível no Prime Vídeo
*Professora de geografia da rede pública de ensino e do IFSul, atuando na rede estadual e na Universidade Federal de Santa Maria, pesquisadora e uma profunda admiradora das artes e todas suas formas.