Antes Eles do que Eu: O Atravessamento Neoliberal

Por Álvaro Nicotti*

Os atravessamentos tem deixado os apegados à ideologias um pouco confusos. Na verdade, o apegado à ideologia não sabe da confusão que ele se mete quando é atravessado.

Mas o que eu estou querendo dizer com atravessamento? Neste caso, o atravessamento é uma qualidade humana (inveja, ciúmes, ganância, paixão, amor e etc) que interfere nas relações diárias da pessoa, seja com ela mesma, com outro sujeito ou em um grupo social.

O atravessamento está em todo lugar. Em todos os setores. Em todos os espaços. Na política, na educação, na cultura. No entanto, o atravessamento não se dá somente por qualidades humanas, muitas delas, inclusive, pré-históricas. O atravessamento vem temperado com vestígios neoliberais.

Segundo o pesquisador Cristian Laval, o neoliberalismo é guiado pela preocupação com a competição econômica. E se o coração neoliberal é a competição, como reage o comportamento humano frente a este sistema?

Não tem como evitar o atravessamento neoliberal, pois ele é atrelado ao individualismo. A essência dele está no pensar em mim primeiro e depois nos outros. Isso não quer dizer que é um crime possuir o atravessamento neoliberal. Pensar em si, muitas vezes, é um extinto e te salva a pele. Antes ele do que eu.

Mas o que dizer daquelas pessoas que fazem discursos astronômicos contra o sistema capitalista, que repudiam o neoliberalismo, que exaltam a sororidade feminista, que cantarolam a importância da diversidade cultural e enchem a boca para falar todEs, mas são nitidamente sujeitos gananciosos, opressores e de péssima índole?

Difícil enxergar relações sinceras de cooperação, quando projetos pessoais estão acima de qualquer premissa ética de convivência. Perturbador ver esse comportamento neoliberal disseminado em toda parte e em todo lugar, na direita e na esquerda, em cima e embaixo. Constrangedor ver organismos sociais e coletivos que eram para ser um facilitador na cooperação humana, se transformarem em verdadeiras seitas, onde quem ousa se levantar, é vítima de tentativa de cancelamento.

Será que tudo isso se potencializou quando o cansaço coletivo, consequência da nossa jornada de trabalho e futilidade consumista, chegou ao seu pico? Será porque igualamos nosso comportamento ao dos Gnus, que no seu medo coletivo se jogam em rios tapados de crocodilos e despencam de penhascos? Ou porque realmente nos tornamos vítimas de nós mesmos, aceitando involuntariamente a liderança de pessoas mequetrefes, gananciosas e sem escrúpulos nenhum?

Alguns amigos que considero sábios e serenos (sim, eles existem) me ensinaram que as pessoas podem escolher serem humanos melhores. Afinal, existe a boa índole, o bom caráter, a empatia, a vontade de ser colaborativo. A busca sincera por essas características é a melhor forma de enfrentar o atravessamento neoliberal.

*Professor, pesquisador e editor do site TemQuemVer

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